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Nos EUA, homofobia faz surgir ativistas por direitos LGBTs no Texas

Discriminada, comunidade LGBT começa a ganhar forças em um dos Estados mais conservadores dos EUA.

Da BBC

Preconceito faz surgir ativistas por direitos LGBTs no Texas

Noel Freeman, de 36 anos, nunca tinha pensado em entrar para a política, até a política entrar na sua vida, há pouco mais de uma década.

Cansado de ‘viver com medo’ e ‘entre mentiras’, como definiu, o jovem cadete da Aeronáutica americana resolveu então ‘sair do armário’ para o seu comandante e assumir sua orientação sexual.

‘A resposta dele foi se solidarizar, dizer que nem conseguia começar a imaginar a situação pela qual eu estava passando’, disse Freeman à BBC Brasil, na sede de seu escritório em Houston, Texas.

‘Mas pelo estatuto ele era obrigado a investigar, e a investigação dele foi simples: ele me perguntou, o que você me disse é verdade? Eu disse que era. Ele: OK, concluímos a nossa investigação’, relatou.

‘Três meses depois, meus papéis de dispensa estavam finalizados e fui liberado’, acrescentou.

A partir desse dia, o ex-piloto se dedicou a fazer campanha para derrubar a legislação que interrompeu sua carreira militar, a chamada “Don’t ask, don’t tell” (Não Pergunte, Não Conte, em tradução literal). A lei foi finalmente extinta no ano passado pelo governo do presidente Barack Obama.

Mensagem musical
Sami e Amy Williams, da banda Grrlz Will Be BoiZ, também viraram porta-vozes da sua própria causa política por acaso.

Tudo começou com a necessidade de ‘extravasar musicalmente’, nas palavras de Sami, a discriminação diária – como o episódio em que uma mulher desconhecida cuspiu na cara da cantora gratuitamente.

‘Não começamos com nenhuma intenção política’, afirmou Sami, entre guitarras e violões espalhados pela sala de sua casa, em um bairro residencial de Austin.

‘Minhas ideias sempre saem raivosas e prolixas. Ainda bem que Amy baixa o tom, pega essas ideias básicas e acrescenta sugestões musicais que tornam a mensagem mais acessível ao público’, acrescentou.

O material chamou a atenção de ativistas de organizações como Equality Texas, que começaram a convidar a dupla para cantar em protestos, manifestações e eventos.

‘Muita gente chega para nós e diz que nossa música as fez mudar de ideia. E eu penso, se você visse como começou, provavelmente ia fugir correndo’, disse Sami.

Na própria pele
São histórias comuns em um dos Estados americanos mais conservadores, onde cada ativista que luta pela igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – a comunidade LGBT – é movido também por sua própria trajetória.

A legislação que estabelece tais direitos varia enormente de Estado para Estado – no Texas, poucos são reconhecidos.

Não existem, por exemplo, proteções contra discriminação no emprego, nas escolas, ao buscar residências – são recorrentes os casos de proprietários que se recusam a alugar suas casas para LGBTs -, e nem contra a prática de hospitais barrarem as visitas a pacientes por cônjuges do mesmo sexo.

Poucas pessoas foram indiciadas por discriminação em uma década desde que passou a vigorar uma legislação sobre essa categoria de crimes.

‘Essas coisas são um lembrete constante de que ainda somos tratados de modo diferente. Elas me fazem sentir um cidadão de segunda categoria’, lamentou Freeman.

Como presidente da organização Houston GLBT Caucus, a associação por direitos civis mais antigas do sul americano, ela apoia candidatos comprometidos com a causa da igualdade para a comunidade.

Já chegou a se candidatar a cargos públicos, mas tem sido mais bem sucedido na política dos bastidores.

Avanços
Bem-sucedida tem sido também a luta de entidades LGBT em nível nacional.

Em três anos e meio de governo do presidente Barack Obama, essas organizações conseguiram cimentar conquistas em causas pelas quais vinham batalhando desde os anos 1990.

Os ativistas conseguiram não apenas derrubar a lei que proibia lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nas Forças Armadas, mas que Obama passasse legislações para combater diversos tipos de discriminação, obrigar hospitais federais a aceitar visitas de cônjuges do mesmo sexo e, mais recentemente, que declarasse seu apoio ao casamento igualitário – o primeiro presidente no cargo a assumir tal risco político.

‘Acho que nossa comunidade conseguiu manter uma relação de prestação de contas muito eficiente com o governo Obama – e acho que ele também foi bastante rápido em responder às nossas demandas, e pressionar para avançar nesse tema ainda mais’, avalia o professor universitário Blake Ellis, de 30 anos.

Ellis também mistura a própria trajetória com a luta política: em 2009, fazendo campanha para a que viria a ser a primeira prefeita abertamente lésbica de Houston, a democrata Annise Parker , ele conheceu o contador Shaun Nelson, 34 – com quem se casou dois anos depois, quando a prefeita se candidatava à reeleição.

‘Acho que foi inspirador’, disse Nelson, sobre a escolha da prefeita. ‘Muitas famílias estão dizendo aos filhos que isso é errado. E com todo o bullying, e os suicídios, isso faz com que as pessoas sintam que é OK, que é normal, que você pode ser quem você é e ainda assim ser prefeito de uma cidade, até presidente dos Estados Unidos, quem sabe?’, questinou.

Casamento igualitário
O casamento entre pessoas do mesmo sexo é a próxima batalha nacional coordenada pelos grupos LGBT.

Atualmente, só seis Estados e o Distrito de Colúmbia permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O número pode aumentar quando três outros levarem o tema a referendo no dia 6 de novembro.

Até a primavera, a Suprema Corte americana deve analisar a legislação nacional de 1996 que desobriga os Estados de reconhecerem as uniões igualitárias contraídas nas unidades da federação que a permitem.

Ativistas creem que uma vez que caia a chamada Lei de Defesa do Casamento (Doma, em inglês), estará aberta a porta para processos em nível estadual que revertam as legislações.

‘Este é um país que caminha para o progresso. Não tenho dúvida de que um dia nosso casamento será reconhecido legalmente em todo o país, e as pessoas que se opuseram a ele vão entrar para o lado errado da história’, acredita Ellis.

‘Felizmente, as atitudes mudaram e a maneira como os casais de mesmo sexo são retratados nos filmes, na TV melhorou muito. Mas não vamos aceitar um sistema que permite a qualquer pessoa heterossexual casar e se divorciar dez vezes, encontrar qualquer um na rua e se casar em Las Vegas e gozar de mais proteções do que nós’, diz.

‘Isto é fundamentalmente errado. Queremos que a América reflita isso.’

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