A estreia da nova novela “A Força do Querer” trouxe o início da discussão sobre transexualidade masculina na dramaturgia brasileira. A novela de Glória Perez pretende mostrar as dificuldades e dilemas de uma pessoa que é designada mulher ao nascimento, mas que se identifica enquanto homem. Uma representação importante para os homens trans e pessoas transmasculinas, que têm buscado cada vez mais visibilidade para afirmar que existem e que podem ocupar qualquer espaço.
Formado em design de produtos, Paulo Vaz é mineiro, tem 31 anos e sempre gostou de assuntos relacionados à arte, produção e moda. Antes e depois da transição, ele já havia feito trabalhos para marcas de moda e, recentemente, tirou a roupa para o fotógrafo Lucas Ávila com exclusividade para o site NLucon. Seu primeiro ensaio sensual viralizou e foi visto por mais de 400 mil pessoas.
Apesar de ter sido designado como do gênero feminino no nascimento, desde a infância Paulo se identifica como homem. “Sempre soube que era diferente. Dizem que na minha festinha de um ano, minha mãe me colocou um vestido que tinha botões na frente e eu o tirava o tempo todo. E quando tinha mais ou menos cinco anos de idade, pedia para os meus pais cuequinha para usar”, relembra.
A puberdade, quando começam a aparecer modificações no corpo, é um tormento para a grande maioria daqueles que já têm consciência da transexualidade nessa etapa da vida. “Lembro-me que quando meus seios começaram a crescer, eu os socava no chuveiro com a esperança de que parassem. Quando veio a menstruação foi devastador, odiava aquilo, e eu tinha cólicas terríveis”, conta. Na escola, o bullying dos outros alunos era frequente. “Sempre me sentia muito sozinho, porque mesmo tendo alguns amigos meninos, com quem me identificava mais, eles nunca me chamavam para dormir em suas casas porque os pais não deixavam. Nunca tive essa troca de ‘confidências’ de criança e pré-adolescente”, recorda.
Apesar de se mostrar insatisfeito com seu corpo e de se identificar com o universo masculino desde muito novo, Paulo só teve informações sobre a existência de homens transexuais no final da faculdade, aos 25 anos. “Cheguei à conclusão de que era trans uns seis meses depois, porém só comecei a transição aos 30 anos, no começo de 2016”, afirma. Dentre os procedimentos, procurou uma psicóloga para lhe auxiliar emocionalmente, um psiquiatra, que foi responsável pelo fornecimento de laudo, e um endocrinologista, que após uma bateria de exames lhe receitou a testosterona. “Eu estava muito ansioso para começar minha hormonização, então logo depois da primeira dose, eu fiquei mais calmo. Hoje posso dizer que comecei a viver em paz comigo mesmo”.
Com o apoio dos pais, amigos e familiares, Paulo passou a se ver como sempre se imaginou. “Tive sorte porque a realidade da maioria é muito diferente! As pessoas trans são expulsas de casa, agredidas e também perseguidas no próprio ambiente familiar”, diz. Com o tempo da hormonização, a testosterona trouxe a barba, pelos no corpo, engrossamento da voz e traços masculinos. Em 2016, o modelo passou por uma cirurgia de mastectomia masculinizadora, onde é retirada a mama. “Sobre a cirurgia de redesignação sexual, não pretendo fazer, estou bem assim! Me sinto livre com os procedimentos que realizei”, afirma.
Paulo retificou o seu nome na justiça no final do ano passado e, apesar de alguns detalhes que ainda o incomodam, se considera uma pessoa satisfeita com a imagem refletida no espelho. No ensaio fotográfico sensual feito pelo mesmo fotógrafo que realizou o primeiro, ele mostra sua intimidade com o objetivo de mostrar o corpo de um homem trans modificado por meio dos hormônios e cirurgias. “Pretendi mostrar como foi o meu processo de transição, que pode variar de pessoa para pessoa. Como as vivências são diferentes, nem todos os homens trans ou pessoas transmasculinas têm vontade de transicionar da mesma forma”, observa.
Dentre seus sonhos e desejos para a comunidade trans no futuro, o modelo diz que espera mais respeito, oportunidades e o fim da violência. “Hoje vemos que o mercado de trabalho – inclusive o da moda – ainda está fechado para as pessoas trans, e queremos mudar isso”. Ele considera que a repercussão das suas fotos, que chegaram até ao exterior, é gratificante. “Principalmente por poder ajudar e dar uma visibilidade à causa. Tento ao máximo ser um bom exemplo”.
Veja mais fotos de Paulo Vaz feitas por Lucas Ávila:
Mesmo com tímidos avanços sociais, como o reconhecimento do nome social em alguns Estados e municípios e uma atenção maior por parte dos veículos de comunicação, a maioria esmagadora das pessoas trans ainda sofre discriminação em todos os âmbitos sociais: na família, na escolas, em postos de saúde, na segurança, no acesso à arte e cultura. Além disso, casos de agressões e mortes de travestis e transexuais frequentemente são noticiados pela imprensa. Isso porque, segundo a ONG Transgender Europe, o Brasil é o campeão de morte de pessoas trans no mundo.