Titica se tornou um ícone pop em Angola, desafiando o conservadorismo de seu país com a ajuda das crianças. A cantora, que foi uma das atrações do palco Sunset no segundo fim de semana do Rock in Rio, explica ao Gay1:
Considerada a rainha do kuduro e já citada como referência por Björk, Titica conta ter sido a primeira artista de Angola a assumir sua transexualidade, aos 17 anos. “Tive medo. Não foi fácil e não é até hoje. Tem certos lugares em que não canto”, diz.
Seu carisma e a popularização do gênero, antes marginalizado, também foram determinantes para vencer o preconceito. “Hoje, quando falam em dez boas artistas angolanas, meu nome está lá no meio e fico feliz por isso.”
Bahia e Angola
O kuduro nasceu nos guetos de Luanda e, por muito tempo, foi associado ao crime, segundo a cantora. A sonoridade tem referências de rap, funk, house e eletrônica. As letras, geralmente cantadas em português, podem falar de amor, sensualidade, sofrência ou protesto.
As coreografias também são importantes. Titica já emplacou, entre outras, “Chão chão”, “Olha o boneco”, “Procura o brinco” e “Estou na parede”.
No Rock in Rio, esse ritmo se juntou nesta sexta (22) às batidas da Baiana System, banda que é queridinha da nova música de Salvador. O grupo e a cantora – que foi bailarina e já dançou no carnaval da Bahia – gravaram juntos “Capim Guiné”. A faixa, que também tem a participação de Margareth Menezes, foi apresentada ao vivo no palco Sunset.
Na entrevista abaixo, Titica fala sobre os elementos que aproximam Bahia e Angola, a história do kuduro e a falta de intercâmbio cultural entre o Brasil e seu país. Também conta como é ser uma artista trans em uma nação que rejeita pessoas LGBT.
Gay1 – O que aproxima o seu som e o da Baiana System?
Titica – A parte eletrônica. As músicas deles são mais eletrônicas, tem mistura de rock, e isso tem muito a ver com o kuduro. As duas coisas casam.
Gay1 – Você gravou com a banda a música “Capim Guiné”, que foi feita pelo Russo Passapusso [vocalista da Baiana System]. Como deu sua cara à faixa?
Titica – A música já estava pronta quando ele mandou. Vou confessar que não é bem a minha praia cantar músicas com letras assim, mais engajadas. Sou de músicas mais safadas, na linguagem certa. Mas foi bom. Gostei da batida, é uma nova experiência.
Gay1 – Você é sempre citada como a primeira artista assumidamente transexual do seu país. Isso é verdade? Como foi sair do armário?
Titica – É verdade sim. No início não foi fácil, tem preconceito e tudo isso.
Tenho essa proteção das crianças. Consegui entrar na casa das pessoas através das crianças. Elas são meus anjos.
Gay1 – Você já teve medo que a transfobia prejudicasse a sua carreira?
Titica – Tive. Não foi fácil e não é até hoje. Tem certos lugares em que eu não canto. Mas, hoje, quando falam em dez boas artistas angolanas, meu nome está lá no meio e fico muito feliz por isso. Tive de lutar, me impor, não fazer frente à ninguém, fazer bem meu trabalho. Sempre tive foco e hoje sou respeitada.
Gay1 – Acha que a intolerância tem diminuído?
Titica – Tem diminuído muito. Há lugares em que eu não cantava e hoje em dia já canto. Há pessoas que não me aceitavam.
Gay1 – O Brasil e a Angola falam a mesma língua, mas o intercâmbio cultural entre os dois países é pouco. Na sua opinião, por que isso acontece?
Titica – Tinha mesmo que haver mais intercâmbio cultural. O povo brasileiro é muito por ele mesmo, dá mais valor às suas coisas. E tem que ser assim. Mas temos que fazer mais intercâmbio, assim aprendemos mais com o povo brasileiro e eles aprendem conosco.
Mesmo assim, há muitos brasileiros que tem ido a Angola para dividir o palco com a gente. Alcione, Roberta Miranda… Também já foram Roberto Carlos, Alexandre Pires e Belo, que é muito querido por lá.
Gay1 – O kuduro é o pop da Angola?
Titica – É sim, é um gênero muito, muito ouvido. A princípio, foi muito criticado. Poucas mulheres faziam kuduro e os rapazes que faziam eram considerados marginais.