Uma hora. Esse foi o tempo que levou para Lach Watson, de 17 anos, obter uma resposta dos produtores de O Mundo Sombrio de Sabrina, da Netflix, após enviar um vídeo para a audição da série.
Os produtores pediram para conversar com Watson pelo Skype depois de verem seu vídeo, um monólogo emocionante sobre um personagem que decide “sair do armário” e revelar que é transexual.
“Eles me perguntaram sobre minha vida, como eu me identificava com o personagem e o que mais eu podia trazer de informação para eles em relação à identidade de gênero queer,” disse Watson.
(Watson, que usa pronomes neutros, agora se identifica como não-binário, mas se identificou como “homem trans” dos 3 aos 15 anos de idade).
Durante a conversa, Roberto Aguirre-Sacasa, produtor-executivo de Sabrina e de Riverdale, do canal CW, explicou para Watson que o personagem seria um pouco diferente daquele que eles fizeram a audição: o personagem começaria a série como uma garota adolescente chamada Susie Putnam, não um garoto chamado Orlando, que foi o personagem original para o qual Watson fez a audição.
“[Aguirre-Sacasa] me perguntou se tudo bem para mim o personagem começar como uma garota e se eu poderia interpretar um personagem com identidade feminina, porque eu tinha feito a audição para um personagem totalmente diferente”, disse Watson ao site BuzzFeed News. “O nome era diferente; o personagem se identificava como ‘ele’, não era Susie.”
Watson aceitou o papel de Susie – uma das melhores amigas de Sabrina Spellman (Kiernan Shipka) na série – e voou para Vancouver (Canadá) no dia seguinte para a leitura do roteiro. A primeira temporada de Sabrina imediatamente entrou em produção.
Watson acredita que suas próprias experiências ajudaram a moldar o desenvolvimento da personagem de Susie no programa, mesmo sem ter nenhum controle sobre o roteiro. Por exemplo, Watson diz que o programa não usa rótulo nenhum para identificar a personagem de Susie, porque “Susie ainda está tentando entender quem é Susie.””Eu acho que a forma como eu me expresso quanto à minha identidade ajudou [os produtores] a entenderem que rótulos não são tudo e que podemos usar melhor nosso tempo focando no papel,” disse Lach.
Bem no primeiro episódio, o público vê Susie sendo agredida pelos jogadores do time de futebol na fictícia Baxter High School. Com um corte no lábio, Susie conta para Sabrina que os rapazes também levantaram sua blusa.
“Eles levantam a blusa dela… eles queriam ver se ela tinha seios, saber se ela era mesmo um garoto ou uma garota”. Sabrina fica revoltada e vai falar com o diretor da escola, exigindo a punição dos jogadores. Frente ao silêncio da diretoria, Sabrina, Susie e a outra melhor amiga delas, Rosalind Walker (Jaz Sinclair), junto com mais algumas colegas, protestam fundando um clube chamado WICCA (Women’s Intersectional Cultural and Creative Association).
Watson frequentou uma escola pequena no ensino médio, com apenas 200 alunos, e disse que nunca sofreu de colegas o tipo de tratamento passado por Susie. Segundo ela, isso foi o que mais dificultou a interpretação dessas cenas.
“Serviu para abrir meus olhos para as lutas que pessoas que se declaram abertamente queer enfrentam nesse mundo,” disse Watson. “Isso é algo que eu esqueço com frequência. Passar por essa jornada com a Susie me lembrou como é perigoso ser você mesmo nesse mundo.”
Os fãs e telespectadores foram incrivelmente receptivos com a personagem Susie, e vários adolescentes não-binários interagiram com Watson nas redes sociais para agradecer pela visibilidade trazida à comunidade queer.
“Só de ter essa personagem e aumentar a representatividade [da comunidade queer nas telas] mostra como essa série está muito à frente”, disse Watson.
Susie passa por uma “transformação importante” no início da segunda temporada, recém lançada, e a personagem vai continuar a mudar o cenário da representatividade LGBTQI+ na televisão.
“Eu já ‘saí do armário’ três vezes na minha vida, e agora, incluindo a Susie, foi a quarta vez,” disse Watson. “Vai ser muito interessante passar pela mesma situação outra vez, agora de um ponto de vista diferente, e criar uma nova pessoa, linda e forte.”
Watson disse que, como Sabrina, Susie não precisa necessariamente escolher uma identidade específica em sua jornada de autoconhecimento.
“Com Sabrina, existe o caminho da noite e o caminho da luz, e você nem sempre precisa escolher. Você pode viver no meio termo,” disse Watson. “Você pode construir seu próprio caminho, e pode fazer isso de maneira brilhante.”