Um elenco de sete pessoas, entre elas seis travestis, sobe ao palco de um teatro de São Paulo para contar a história de Brenda Lee, ativista conhecida como “o anjo da guarda das travestis”. O apelido veio porque Brenda acolhia em sua casa dezenas delas, além de ter fundado, nos anos 1990, a primeira casa de apoio para pessoas com HIV/Aids do Brasil.
O musical “Brenda Lee e o Palácio das Princesas” narra não só a trajetória de Brenda mas também de cinco de suas “filhas” em meio à epidemia de Aids e à perseguição policial às travestis em São Paulo. A peça está em cartaz no teatro Núcleo Experimental, no bairro da Barra Funda.
Verónica Valenttino, a atriz que interpreta a protagonista no palco, celebra o fato de atuar ao lado de mais atrizes travestis: “Essa é a forma essencial de contar a nossa história: subindo no palco com outras de nós para falar da nossa memória, que por tantos anos foi contada apenas por pessoas cisgênero”.
“Casa das princesas”
Brenda Lee, na verdade, era o “nome de guerra” de Caetana, nascida em Bodocó (PE). A escolha pela mudança fazia homenagem à cantora americana homônima, estrela do rockabilly e country a partir dos anos 1960.
Morava em uma casa em São Paulo, no bairro do Bexiga, e conseguiu comprar o imóvel. Desde então, passou a acolher informalmente travestis em situação de vulnerabilidade.
Na peça, é mostrado que algumas delas recorrem à prostituição, outras têm empregos informais e tentam estudar, algumas delas são soropositivas, e todas, invariavelmente, foram rejeitadas por suas famílias de origem por transfobia.
Na época, o local era conhecido como “casa das princesas”.
A Casa de Apoio Brenda Lee funciona até hoje no sobrado em que sua fundadora viveu e neste ano completa três décadas de trabalho desde seu registro oficial.
“Ela é uma figura que a gente conhece pouco porque sofreu um enorme apagamento histórico, mas que teve uma trajetória de resistência e de revolução, principalmente em relação à postura do governo diante das travestis, que naquela época eram abertamente hostilizadas, inclusive pela polícia”, fala o diretor da peça, Zé Henrique de Paula.
“Com muita luta, ela teve pequenos acessos, que em geral eram negados para as travestis [se referindo à compra de um imóvel], e soube usá-los em favor da comunidade”, fala Verónica.
Numa época em que pouco se sabia sobre o vírus HIV, Brenda e o médico Paulo Roberto Teixeira, em parceria com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e com o Hospital Emílio Ribas, transformaram a casa em que ela vivia com suas “filhas” em uma espécie de hospital, que ganhou nome de Casa de Apoio. Lá, eles puderam aprimorar o atendimento a pacientes soropositivos.
Paulo Roberto Teixeira, aliás, é homenageado na peça —interpretado por Fabio Redkowicz, único ator cisgênero do elenco.
Aos 48 anos, em maio de 1996, Brenda foi assassinada a tiros e seu corpo foi encontrado dias depois, dentro de uma kombi, em um terreno baldio na zona norte de São Paulo.
O crime teria sido cometido por um funcionário da casa, que foi seu namorado e tentou lhe aplicar um golpe financeiro.