São Paulo

Advogado é condenado a 3 anos de serviços e 20 salários mínimos por falas homofóbicas

Celso Vendramini fez declarações consideradas homofóbicas em 2019 durante júri de 2 PMs acusados de homicídios em SP.

Ministério Público acusou advogado Celso Vendramini de injúria homofóbica. (Foto: Pedro Carlos Leite/Arquivo)
Ministério Público acusou advogado Celso Vendramini de injúria homofóbica. (Foto: Pedro Carlos Leite/Arquivo)

A Justiça de São Paulo condenou nesta semana um advogado a pena de 3 anos de prestação de serviços comunitários e pagamento de 20 salários mínimos por ter feito comentários homofóbicos durante um júri popular em 2019. Entre eles, Celso Vendramini havia dito que “vai ser gay lá na Rússia pra ver o que acontece”.

O governo russo tem uma política de proteger o que chama de “valores tradicionais” do país. A repressão aos LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexuais, assexuais e outros) começou há uma década, quando o presidente Vladimir Putin tomou medidas que não reconhecem direitos da nossa comunidade. Em 2020, ele enviou ao Parlamento uma reforma constitucional que proibiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil essa união é permitida.

Essa e outras falas de Vendramini no julgamento conseguiram convencer à época os jurados a absolver dois policiais militares que ele defendia e eram acusados de assassinar dois suspeitos de crimes. Naquela ocasião, os agentes da Polícia Militar (PM) foram julgados como réus por homicídios cometidos dois anos antes, em 2017. Eles negaram os crimes e respondiam ao processo em liberdade.

Segundo o Ministério Público (MP), os PMS executaram a tiros dois jovens que teriam roubado um veículo com cigarros na Zona Norte de São Paulo. Os jurados, no entanto, absolveram os policiais das acusações de homicídios e entenderam que eles agiram em legítima defesa quando atiraram nos suspeitos.

Vendramini, de 68 anos, é conhecido por atuar há mais de 30 anos nas defesas de PMs investigados por diversos crimes. Procurado para comentar o assunto, ele negou ter sido homofóbico e que irá recorrer da decisão.

“Ainda confio na Justiça e que os tribunais superiores saberão analisar os fatos e que nego peremptoriamente ter ofendido a comunidade LGBT com falas homofóbicas”, falou Vendramini.

Entre as declarações que Vendramini fez naquela audiência de novembro de 2019 no Fórum Criminal da Barra Funda, e que foram consideradas homofóbicas pela Justiça, estão:

  • “O pessoal fala muito da Rússia. Eu sou fã do Putin. Sou fã do Putin. Lá não tem boi não. Lá não tem passeata gay na Rússia não. Vais ser ‘viado’ lá na, em Cuba pra ver o que acontece. Vai ser gay lá na Rússia pra ver o que acontece”
  • “Filho usando azul… filha usando cor-de-rosa… depois, se o filho quiser mudar pra cor-de-rosa, o problema é dele… se a mulher quiser mudar depois para azul, o problema é dela”
  • “Não sou contra segmento LGBT em hipótese alguma […] cada um respeitando seu espaço”
  • “Eu digo assim… às vezes brincando com os colegas… pessoal… vou virar homossexual… depois de velho… 65 anos”
  • “Hoje, parece que ser hétero é pecado”

Todas as frases acima foram gravadas em áudios pela Justiça, assim como o julgamento inteiro.

Ao final do júri, a promotora Cláudia Ferreira Mac Dowell, representante do Ministério Público naquela ocasião, pediu que as falas de Vendramini fossem colocadas na ata do julgamento por entender que elas eram homofóbicas e foram usadas fora de contexto no julgamento para atacá-la, já que ela é lésbica.

Cláudia é casada com outra mulher e conhecida publicamente como ativista dos direitos da comunidade LGBTQIA+.

A promotora levou a gravação com as declarações do advogado ao próprio MP e à associação paulista que representa a categoria. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Secretaria de Justiça em São Paulo também abriram procedimentos para apurar a denúncia.

O MP denunciou Vendramini à Justiça por dois crimes: homofobia (por entender que ele ofendeu a comunidade LGBTQIA+ com as declarações) e injúria (pelo fato de as ofensas terem sido direcionadas a Claúdia). O advogado então se tornou réu nesse processo judicial.

Na última segunda-feira (31), a juíza Cynthia Torres Cristófaro, da 23ª Vara Criminal, condenou Vendramini por homofobia, mas o absolveu da acusação de injúria.

“Diante do exposto e do mais que dos autos consta, julgo parcialmente procedentes a denúncia, para o fim de condenar o réu Celso Machado Vendramini […] às penas de 3 (três) anos reclusão, em regime inicial aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo período de três anos, à razão de uma hora por dia de condenação, e por prestação pecuniária de 20 (vinte) salários mínimos a ser paga a fundo público do Estado de São Paulo ou da União que se dedique à defesa dos direitos da população LGBT+, conforme dispuser o Juízo de execução, e mais 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de um décimo do salário mínimo, bem como para absolvê-lo da imputação do artigo 140 [injúria]”, escreveu a magistrada na sentença.

Os valores dos salários mínimos e dos dias-multa ainda serão calculados, pois levam em conta quanto valiam à época do crime.

Segundo Cynthia, os áudios do júri dos PMs demonstraram que o advogado cometeu crime de homofobia, mas não comprovaram se as ofensas foram para Claudia. De acordo com a juíza, seria preciso um vídeo para ver se Vendramini se dirigia à promotora ou olhava para ela para caracterizar a injúria. Sem as imagens, já que a sessão não foi filmada, não foi possível concluir isso.

O que diz a promotora

Procurada para comentar o assunto, Cláudia afirmou que “a importância da decisão é firmar, de um lado, que LGBTfobia é crime, sim e, de outro, que a imunidade do advogado não lhe dá liberdade para cometer discurso de ódio”.

Segundo a promotora, sua defesa deverá recorrer da decisão judicial para aumentar a pena de Vendramini e pedir uma condenação também por injúria contra ela.

“Ele foi condenado, mas só pela LGBTfobia, ou seja, por ter proferido discurso de ódio contra a população LGBT+ em geral, mas absolvido da injúria LGBTfóbica especificamente dirigida a mim”, disse Cláudia.

Alguns jurados que absolveram os dois PMs em 2019 foram ouvidos pela Justiça como testemunhas e confirmaram que Vendramini fez comentários homofóbicos sem motivo aparente durante o júri. Falaram ainda que viram a promotora chorar no plenário após ser ofendida.

Cláudia contou que pediu transferência da 2ª Promotoria do Tribunal do Júri para outra logo após se sentir atacada pelo advogado. Atualmente ela atua em outra sessão do MP para evitar se encontrar com Vendramini em processos criminais.

“Eu decidi acabar a minha carreira no júri depois desse episódio. Em fevereiro de 2020, ou seja, na primeira oportunidade de remoção que eu tive, fui para um cargo criminal comum e, agora, estou em um cargo criminal no Foro Regional de Santo Amaro”, falou Cláudia.

O advogado da promotora, Paulo Ioltti, falou que recebia a condenação por “racismo homotransfóbico” com sentimento de justiça. Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), casos de homofobia passaram a ser equiparados aos crimes de racismo.

“Como a juíza explicou, o discurso dele foi homotransfóbico, menosprezando a população LGBTI+ e isso foi provado por diversas testemunhas. Não esperava outra decisão. Sobre a injúria racial homotransfóbica, dialogaremos com o Ministério Público em prol do recurso”, falou Paulo.

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