Caso Marielle: STF define se Justiça pode quebrar sigilo da internet até de quem não é investigado
Processo será julgado no plenário virtual entre 22 e 29 de setembro; imbróglio se arrasta desde agosto de 2018.
Às vésperas de se aposentar, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal, incluiu na pauta do plenário virtual entre 22 e 29 de setembro o julgamento de um processo relacionado ao caso Marielle que vai definir se é constitucional – ou não – a quebra de sigilo de dados telemáticos de pessoas indeterminadas em investigações criminais.
No STF, o assunto teve repercussão geral reconhecida, ou seja, vai balizar futuras decisões judiciais sobre o mesmo tema em todo o país.
A controvérsia se arrasta desde agosto de 2018, quando a primeira instância da Justiça do Rio atendeu a um pedido dos investigadores do caso Marielle para obrigar o Google a fornecer a lista dos IPs e dos Device IDs de todos os usuários que pesquisaram as expressões “Marielle Franco”, “Vereadora Marielle”, “Agenda vereadora Marielle”, “Casa das Pretas”, “Rua dos Inválidos”, e “Rua dos Inválidos, 122” entre os dias 10 de 14 de março de 2018 – dia em que a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados.
Momentos antes do crime, Marielle tinha participado de um debate na Casa das Pretas, um espaço cultural localizado na Rua dos Inválidos, 122, no Centro do Rio.
Com o número do IP – que significa internet protocol, em português “protocolo da internet” – a polícia consegue chegar até o endereço da conexão de internet de quem fez as pesquisas.
Já o Device ID é a identificação do computador ou do celular – é como a placa de um carro. O cruzamento das informações do ID com o Device ID permite a localização de alguém.
Este material, dizem os investigadores, é essencial para se chegar aos mandantes do crime.
Já o Google argumenta que a medida é inconstitucional por ferir o direito à privacidade dos usuários e transformar um serviço de pesquisa na internet em ferramenta para vigilância indiscriminada dos cidadãos.
Após uma série de recursos do Google, o Superior Tribunal de Justiça manteve, em agosto de 2020, a determinação para a empresa de internet fornecer os dados aos investigadores.
Em novembro de 2020, o Google entrou com um recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal.
A ministra Rosa Weber foi sorteada relatora. Este foi um dos processos que ela manteve sob sua relatoria mesmo após ter assumido a presidência do STF, em setembro de 2022.
A ministra se aposenta no próximo dia 28 de setembro – um dia antes do término do julgamento deste caso no plenário virtual.
No plenário virtual, os ministros depositam seus votos no sistema online do STF durante uma semana, sem discutir as questões.
A Meta, empresa dona do Facebook e do Instagram, os Ministérios Públicos dos estados de Minas Gerais e de Rondônia, e entidades da sociedade civil como o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (Iets), a Educafro, e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), pediram para ingressarem no processo como amicus curiae (“amigo da corte”), ou seja, para poderem trazer informações importantes para a discussão.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a constitucionalidade da quebra de sigilo de dados telemáticos de pessoas indeterminadas.
“(…) mostra-se compatível com a Constituição Federal a possibilidade de afastamento de dados telemáticos, no âmbito de procedimentos penais, ainda que em relação a pessoas indeterminadas. Na realidade, mostrar-se-ia incompatível com a ordem jurídico-constitucional entendimento pelo qual fosse vedada a transferência de dados que possam contribuir para a efetivação da persecução penal e para a elucidação de crimes, sobretudo quando se sabe que tais dados hão de ter o sigilo preservado pela autoridade pública”, escreveu Aras na manifestação entregue ao STF em outubro de 2021.