Como já cantava Milton Nascimento, “qualquer maneira de amor vale amar”. E, hoje, as formas de nos relacionarmos estão cada vez mais saindo do campo do tabu para serem discutidas abertamente, o que também leva o tema a cair no arenoso campo das fake news sobre o que, de fato, é a não-monogamia, a monogamia aberta ou fechada e o poliamor.
Para falar sobre o tema, convidamos a psicóloga Jhayne Rosa e pessoas que vivem em um relacionamento aberto, como é caso do ex-BBB Fred Nicácio, o casal Igor Rickli e Aline Wirley e o analista de marketing Pedro Camargo Goes.
Entendendo os termos
Primeiramente, é preciso dizer que relacionamento não é uma fórmula matemática. Na verdade, a única semelhança com a matéria é que aqui o amor pode entrar para somar ou multiplicar, nunca subtrair, dividir.
- Não-monogamia: é um termo guarda-chuva que trata de uma rede de afetos, ou seja, relações que não são vividas somente a dois.
- Poliamor: trata-se de um relacionamento não-monogâmico em que os indivíduos se relacionam amorosamente e sexualmente com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
- Monogamia fechada: são duas pessoas que se relacionam de forma exclusiva.
- Monogamia aberta: tem um parceiro fixo, está namorando ou é casado, mas também se relaciona com outras pessoas.
Não é bagunça, tem gerenciamento!
A não-monogamia ou a monogamia aberta existem de várias formas e com “regras” que mudam de acordo com os limites de cada pessoa. Mas uma das principais concepções equivocadas é enxergar esses tipos de relacionamentos como a solução para casais monogâmicos em crise: pelo contrário, acrescentar uma pessoa nesse momento pode trazer mais um problema. Pedro, por exemplo, conta que começou em uma relação fechado com o parceiro e, depois, entenderam que isso não fazia sentido para eles.
“Eu tenho muita confiança no que eu construí na nossa relação, sei que a gente se ama. É uma conversa constante, uma ‘manutenção’ periódica. A pessoa acha que relacionamento aberto é uma bagunça, tem umas ideias mal concebidas: monogâmico ou não, toda relação tem que ter conversa, inclusive com a família!”
Diálogo foi a palavra que permeou as falas de todos os entrevistados, aliás! Conversar sobre o que faz bem ou não para cada um é imprescindível para que ninguém se machuque. Acontece que muita gente tem receio em abordar o tema com o parceiro: “Existe medo, existe vergonha, preocupação e insegurança – que surge, principalmente, quando as pessoas não deixam claro sobre seus limites, insatisfações, expectativas”, afirmou a psicóloga Jhayne Rosa.
Casado há 8 anos, Fred Nicácio contou que manteve uma relação fechada durante o noivado com Fábio Gelonese e tiveram “uma experiência incrível”, mas entenderam que também poderiam abrir o relacionamento.
“Existem regras entre nós. Todo mundo vê o relacionamento aberto como o contrário de uma monogamia como se fosse um oba oba, mas tem muitos pactos, eles são muito dinâmicos e são repactuados de tempos em tempos. Então, eu mudo ou ele muda, por que que a nossa relação não pode mudar? Por que a nossa relação tem que ser estática se eu não sou mais o mesmo de oito anos atrás e nem ele?”
Quando Aline e Igor se conheceram, em 2010, logo entenderam que não se encaixariam em um relacionamento fechado. Igor explicou que a vida dos dois “é pautada pela busca por autoconhecimento” e ambos respeitam muito a individualidade um do outro, o que os ajudou a construir uma relação com conversas abertas e constantes sobre o bem-estar de cada um.
“Porque, senão, você fica dependente do outro, fica se apoiando no outro, achando que o outro vai resolver a sua vida e não vai! Ninguém resolve a vida de ninguém: se eu não buscar em mim as minhas ausências e medos, eu mal vou conseguir me relacionar comigo, então como eu vou oferecer o meu melhor dentro de uma relação?”, completou Aline com um questionamento.
Outra ideia mal concebida sobre o tema é acharem que uma pessoa não é suficiente e, por isso, continuam saindo com outras: “A gente fica preso na ideia do namoro e na não-monogamia não tem isso. A questão é ‘por que você quer ter relação sexual com outras pessoas?’ Somos múltiplos e nos apaixonamos várias vezes ao longo da vida. É normal ter essas vontades e querer explorar isso”, defendeu Pedro.
“Será que relacionamento aberto é para mim?”
Se você já se fez essa pergunta, vá com calma! Jhayne alertou que é preciso cuidado e existem riscos dos dois lados ao falar sobre o assunto: Quando uma pessoa entende que gostaria de estar em uma relação não-monogâmica, pode gerar angústia muito grande ao abordar a possibilidade com o parceiro. E o contrário também é bastante delicado!
“É preciso estar preparado para pisar nesse terreno, caso contrário pode gerar uma grande onda de ansiedade a ponto de a pessoa não conseguir socializar, realizar suas atividades ou ter uma boa autoestima”, imaginando que o parceiro está com outra pessoa.
Sobre isso, inclusive, Pedro explicou que existem casais que falam sobre os “contatinhos” e outros que preferem não comentar: “Tem gente que quer saber com quem o parceiro está saindo e tem quem não queira. Eu prefiro saber para dar um rosto, tirar o monstro que fica no desconhecido e compartilhar experiências.”
Ao mesmo tempo, ele entende que existam muitos ruídos na comunicação: “As pessoas têm medo desse tipo de conversa, porque tem muito jogo mental. O medo é algo muito dominante, além da insegurança de achar que o parceiro é melhor e mais atraente.”
Jhayne concorda que exista esse distanciamento, muito mais comum entre os monogâmicos que têm ideias pré-estabelecidas sobre o que é ser um casal.
Então, será que as pessoas preferem limpar os cacos de um vaso no chão ao invés de impedir que ele caia? “Acho que, às vezes, a pessoa não está nem vendo o vaso, está tão focada nela, que não vê ao redor”, respondeu Pedro sobre a falta de comunicação.
Já citamos o diálogo, pactos e autoconhecimento como algumas das palavras-chave de um relacionamento não-monogâmico, mas tem outra muito importante: limites. Para Jhayne, é essencial entender onde termina o seu bem-estar e começa o desconforto para que você não se frustre ou tente se encaixar em algo que não é para você (e está tudo bem!).
“Independentemente de ter tido uma experiência positiva ou negativa [com relacionamento aberto], pode ser que a pessoa leve os acontecimentos como um aprendizado ou gere um trauma muito forte e nunca mais se abra para outras pessoas.”
Lembretes de ouro!
- Como colocou Fred, os acordos mudam de casal para casal e de tempos em tempos. Por isso, converse com o parceiro constantemente para fazer os “ajustes” necessários.
- Pedro contou que, às vezes, quando estão passando por uma situação delicada, eles preferem fechar o relacionamento até se resolverem e, só então, voltam a sair com outras pessoas: “As pessoas não conversam nem o básico… Tem tantos níveis que elas precisam amadurecer!”
- A ideia de que você vai encontrar sua alma gêmea pode ser uma jornada frustrante: “As pessoas têm esse costume de falar que, em uma relação, elas se tornam uma só, mas não. Todo mundo continua sendo uma pessoa só e aquilo que dói em um, pode ser que não doa no outro”, destacou Jhayne.
- Ouvir e ser ouvido sem julgamentos é importante em qualquer relação – amorosa ou não – para que as pessoas possam se conectar com mais honestidade.
- “João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém […]”: o medo da solidão abordado em “Quadrilha, poema de Carlos Drummond de Andrade, também pode assombrar quem não se sente confortável ao pensar em um relacionamento não-monogâmico.
- “As pessoas começaram a se perguntar se essa ideia de um parceiro único é saudável e se você pode ter todo o seu apoio emocional em uma pessoa só: não é justo ter alguém como totem! Isso cria uma dependência, torna o parceiro o seu único suporte emocional e, em alguns casos, para até de ver os amigos, se isola”, opinou Pedro.
- Jhayne finalizou Jhayne propondo uma reflexão sobre saber respeitar o que faz bem para cada um, afinal existem pessoas que vivem bem a dois e tem quem prefira uma rede de afetos: “A questão que eu levo nesse momento é, ‘se a pessoa não sente em um espaço confortável para ser quem ela é, como se permite estar nesse lugar?’”