Marcos Sacramento fala sobre desafios de ser gay em um ambiente historicamente heteronormativo
Cantor analisa carreira marcada por superação e lança novo disco.
No coração do Centro do Rio de Janeiro, sob a sombra de uma árvore no Beco da Cultura, uma multidão se reúne para celebrar o Samba do Sacramento. A roda, comandada por Marcos Sacramento, é uma celebração ao samba e à resiliência, reunindo desde clássicos do gênero até interpretações ousadas de Carmen Miranda. Este evento, que ocorre ao som de um “chapix” — quando o chapéu é substituído por transferências via Pix — marca o retorno do cantor e compositor de 64 anos à cena carioca com força renovada.
Sacramento, que acaba de lançar seu 21º álbum, Arco, é um exemplo vivo de superação e persistência. Sua trajetória musical é permeada por altos e baixos, com desafios que vão desde o etarismo no mercado cultural até a luta contra dependência química e o preconceito enfrentado por ser gay em um cenário dominado pela heteronormatividade.
“Um artista de 64 anos que não está no top 10 é desconsiderado em função do pensamento etarista”, desabafa. Ele menciona que figuras históricas, como Cartola e Clementina de Jesus, também enfrentaram o apagamento antes do reconhecimento tardio. Sacramento acredita que sua geração, marcada pelo esvaziamento cultural após os movimentos revolucionários das décadas de 1960 e 1970, foi deixada em uma posição de difícil consolidação no cenário musical.
Superação pessoal e profissional
Entre os desafios mais marcantes de sua vida está a batalha contra o abuso de álcool e cocaína, que o afastou de oportunidades cruciais na carreira. “Estou limpo há 24 anos. Não bebo, não fumo e corro 10 quilômetros por dia”, conta ele, que encontrou no Alcóolicos Anônimos o apoio necessário para reconstruir sua vida.
Outro obstáculo foi a resistência do ambiente do samba à sua orientação sexual. Sacramento revela que a homofobia velada e os estigmas dificultaram sua aceitação, apesar do apoio de nomes importantes, como Nei Lopes e Marquinhos de Oswaldo Cruz. “De maneira geral, o ambiente do samba sempre torceu o nariz para gay. Mas a sexualidade nunca foi uma questão para mim. Agora, falo abertamente sobre isso até na música”, diz, referindo-se à faixa “Para Frido”, uma declaração de amor ao seu companheiro de 34 anos.
A voz do samba e a renovação
No álbum Arco, Sacramento reinventa sua relação com o samba ao conectar gerações e incluir sonoridades contemporâneas. O projeto reúne parcerias com jovens músicos e releituras de clássicos, mantendo viva a tradição enquanto a renova. Para Sacramento, cada canção é uma alma, e sua missão como intérprete é dar vida a essas histórias.
Mesmo enfrentando as adversidades do mercado, Sacramento encontra força no impacto social do seu trabalho. O Samba do Sacramento tornou-se um espaço democrático que reúne pessoas de todas as idades, cores e orientações. Para o cantor, é mais do que um evento musical: é um reflexo da pluralidade brasileira e da importância de ocupar espaços com diversidade e respeito.
“Sou o que sou por causa do samba. Ele é tudo para mim”, conclui, com o sorriso de quem venceu batalhas e ainda encontra prazer em transformar histórias em música.