Todos nós seremos mariconas um dia!
Uma vez li uma crônica tão bem engendrada, creio eu, a melhor que já tive a oportunidade de apreciar em minha vida. Li ao acaso em um jornal de bairro e tratava de como uma pessoa octogenária sentia o mundo ao seu redor. Isso foi em dois mil e quatorze e, por azar do destino, acabei perdendo a folha que havia recortado para guardar, mas sua reflexão tornou-se perene em meus neurônios. Resumindo, o texto dele ponderava entre prós e contras em ser um idoso nos tempos atuais.
Nossa cultura, principalmente a gay, reverencia de maneira exacerbada a jovialidade e a padronização do corpo estilo David à Michelangelo. Não é à toa que vemos jovens rapazes, na faixa dos seus vinte e poucos anos ocultando suas verdadeiras idades em aplicativos de relacionamentos, pois ser sincero pode destruir a oportunidade de conhecer alguém. Cobram uma perfeição estética dos homens que os fazem sentirem-se péssimos consigo mesmos, afinal o envelhecimento do organismo começa aos vinte e cinco anos de idade. Calvície, acúmulo de tecido adiposo que mudara as feições da face, linhas de expressões no rosto e demais sinais de que a metamorfose orgânica aponta os avanços do tempo, são vistos como depreciação do valor do indivíduo. Você vale o que aparenta e o quanto tempo de vida tem, de tal maneira que o indivíduo tornar-se- á um subproduto passível de desvalorização patrimonial.
Chega um momento que tratamentos estéticos podem disfarçar a idade, exercícios físicos em academias, procedimentos cirúrgicos e hormonais também. Mas chegará uma idade onde não há mais como fugir dessas medidas paliativas. Sim, a pessoa ficou idosa. E a partir daí começa um novo tipo de preconceito: o etarismo. Maldosamente alguns jovens homossexuais, apelidam os gays mais velhos com o termo pejorativo “maricona”. E manipulam a fragilidade emocional e carência afetiva destes homens para conseguir vantagens pessoais e financeiras.
A percepção do envelhecimento acaba sendo um tênue abismo que separa uma afetividade intergeracional (com a exceção dos jovens que atraem-se por homens maduros), a maioria execra e despreza a velhice. Como reflexo, induz-nos a crises existenciais com o passar dos anos. Vem à crise dos trinta, quarenta, cinquenta, sessenta, setenta e por aí vai… É muito comum pessoas ouvirem hits musicais da moda (mesmo sem apreciá-los) para não serem considerados obsoletos e ultrapassados, muitas vezes, abrem mão dos seus gostos pessoais em prol de uma identidade adolescente preponderante na atualidade. Não somente na questão musical, principalmente no mundo da moda existe colossal pressão para vestir o que é tendência (mesmo que isso não seja o seu gosto). Caminhar fora desta risca é ser cafona, brega e antigo e o medo destes rótulos anulam a real identidade da pessoa.
Diante desses estigmas acima citados, recordo-me que o senhor cronista (o qual não lembro o nome) disse que conforme os anos passam, vamos perdendo os pais, familiares, amigos e o círculo de pessoas confiáveis e íntimas vai diminuindo. A solidão acaba sendo inevitável. Quando não compreendemos muitas vezes porque uma pessoa tão idosa é desconfiada ou “rabugenta”, é porque o medo de sentir desprezo, escárnio ou abuso físico e psicológico rodeiam sua psiquê. Afinal, sua geração quase não existe e nem influencia mais. Essa sensação de imortalidade a qual crianças e adolescentes sentem, vai sendo dilapidada aos poucos conforme cada um vai tendo uma noção contextualizada e crua do que é existir. O corpo muda contra sua vontade, a saúde não é mais a mesma e a agitação vai cedendo lugar a maturidade e serenidade.
Meu objetivo, nessa mini exegese é incentivar o respeito pelos gays idosos. Muitos deles viveram em épocas onde a homossexualidade era extremamente reprimida e passaram a vida sem poder experimentar um grande amor, sem medo, e expressar sua orientação sexual na plenitude. Além disso, se as coisas estão um pouco melhores que há uns trinta ou quarenta anos atrás é porque sujeitos corajosos sacrificaram suas vidas em melhorar a sociedade para que você, agora, possa ter um pouco mais de paz na sua existência. Quanto sangue foi derramado, quantos internamentos em hospitais psiquiátricos, quantas demissões de empregos, quantos sonhos mortos, para que você possa na atualidade assumir-se de uma forma menos terrível que eles? Nosso profundo respeito, precisamos trabalhar a questão da maturidade, pois queira você ou não, o sarcástico de hoje será a maricona de amanhã.