“Bicha!… Bicha!… Bicha!…” Os gritos da torcida ecoavam pelo ginásio a cada vez que o meio de rede do Vôlei Futuro se preparava para sacar. As ofensas duraram o jogo todo, válido pelas semifinais da Superliga e vencido pelo Cruzeiro no tie-break. Mas, para Michael Pinto dos Santos – alvo dos xingamentos homofóbicos da torcida – a partida de 4 de abril de 2011 foi uma vitória pessoal. Ele saiu do armário no dia seguinte ao episódio e levantou um debate importante sobre o preconceito no esporte. Preconceito que, mesmo seis anos anos depois, ainda insiste em invadir quadras, campos, ginásios e estádios pelo mundo.
“Sinceramente, nunca havia sofrido nenhum preconceito. Sempre fui muito bem tratado por dirigentes, jogadores e todo mundo do vôlei. O que aconteceu em Contagem foi uma situação muito chata, foi um antes e depois na minha vida. É uma coisa que dói, machuca, humilha e deixa triste. Existem família e amigos que sofrem com tudo isso. Ainda temos muito que melhorar com relação a preconceito e aceitação. Quanto mais pessoas públicas puderam falar sobre isso, mais as pessoas vão ver que é natural. Eu pago imposto como qualquer outra pessoa e não vou interferir na vida de ninguém”, desabafa o jogador em entrevista para o Globo Esporte .com.
Mais do que um jogador de vôlei, Michael tornou-se um símbolo do movimento LGBT dentro do esporte. A atitude de falar publicamente sobre sua orientação sexual após sofrer preconceito em público abriu espaço para o debate sobre o tema.
“Me perguntaram se eu já tinha defendido a causa. É muito difícil, nunca tinha pensado dessa maneira. A gente só pensa na situação quando a gente passa por ela. Abri meus olhos e o de muita gente sobre a homofobia. Eu, como jogador, quero ser reconhecido pelo meu trabalho, não pelo que sou fora de quadra. Tem de ser assim na vida”, disse.
O apoio dos torcedores e fãs foi fundamental para que Michael seguisse a carreira dentro do vôlei e levasse uma vida normal fora das quadras. O jogador prefere ver o lado bom do que aconteceu no fatídico dia em que teve sua vida pessoal exposta para todo o país.
“Às vezes eu não entendo direito, é muito legal. Você é um atleta e pessoa pública, influencia as pessoas e mostra sua história de vida. Depois de tudo o que aconteceu em Contagem, quem não me conhecia passou a conhecer. Tirando o lado triste do fato, as pessoas me abraçaram e o legal é que as pessoas passaram a conhecer mais o meu trabalho e a pessoa que eu sou”.
Quando o assunto é sair do armário ou não a orientação sexual ao longo da carreira como atleta, Michael prefere não opinar sobre a decisão, que considera “pessoal e de casa pessoa”. Porém, acredita que isso dificilmente acontecerá um dia no futebol, considerado por ele um esporte machista e com pouca abertura para o diálogo sobre diversidade.
“Difícil falar em relação a isso. O esporte em si, o futebol mais ainda, é machista. Muitas vezes para aceitar uma coisa dessas é difícil, espero que as coisas mudem como vem mudando no futebol. Mas acho que ainda vai demorar um bom tempo. Esse quadro não sei se é um tabu ou se tem mesmo dentro do futebol muitos atletas que são. Existem torcidas organizadas de gays e acho que seria valoroso os clubes e associações aceitarem que existem essa forma. O esporte em si é machista”, revela.
Apesar de admitir que o preconceito ainda ronda o meio esportivo e a sociedade em geral, Michael revela que o fato de ser gay nunca o atrapalhou na trajetória dentro do vôlei. Mesmo assim, alerta que muitos jovens podem ter a carreira interrompida justamente pelo julgamento de pessoas que trabalham no esporte e não são preparadas para gerir pessoas.