Luis Lobianco se pronuncia após ataques por peça sobre trans em Belo Horizonte
O ator Luis Lobianco, conhecido por sua atuação no programa de internet “Porta dos Fundos” e pelos cariocas pelo Buraco da Lacraia, está sendo criticado por alguns grupos de ativistas trans.
Os coletivos contestam a ausência de profissionais trans na equipe de produção e no elenco da peça “Gisberta”, em que o ator interpreta a história de uma transexual brasileira assassinada em Portugal em 2006.
O Movimento Nacional de Artistas Trans e o Coletivo T são dois dos que se manifestaram na internet. Também houve protestos presenciais na abertura da temporada do espetáculo no Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte, no último dia 5.
O grupo alega que o monólogo deveria ser encenado por uma atriz transexual, e não por um “trans fake”.
Em seu Facebook, Lobianco falou pela primeira vez sobre o episódio:
“Na semana da reestreia fui contactado por uma representante do grupo Transvest de BH com o intuito de dialogar representatividade e empregabilidade. Por que uma peça que fala sobre a marginalidade que a sociedade impõe às pessoas trans não tem nenhum T em sua equipe? Acho a provocação muito pertinente e um ponto de partida para discutirmos a profissionalização dessas pessoas mas, também, ter consciência do modo arcaico de se fazer esse tipo de teatro no Brasil (…) ‘Gisberta’ um projeto idealizado por mim quando tomei conhecimento de sua história. Chocou-me saber que quando sua morte completou 10 anos nenhum artista trans ou cis desenvolvia uma pesquisa teatral profissional sobre o crime no Brasil”, disse, no início do texto.
O ator continuou o desabafo mencionando como foi a captação de recursos para a realização da peça e citou a “realidade do teatro carioca em 2017” descrevendo: “Crivella na prefeitura num embate declarado contra as artes e nossa classe desesperada com seus projetos na mão à caça dos editais”. Lobianco explica ainda que, ao elaborar o projeto, contou com os serviços de uma advogada trans, que os ajudou a ter conhecimento sobre o assunto. Em seguida, o artista opinou sobre o adjetivo usado para classificá-lo:
“Vieram outros questionamentos por parte do grupo: eu CIS interpretando “trans fake”, gays falando de trans, Gisberta ser interpretada. Ainda aqui, mesmo eu não concordando com muitos dos seus pontos de vista, cabe o diálogo. E o teatro não seria a arte do “fake”? (…) O que não cabe mesmo é a comparação com o “blackface” por respeito a outros movimentos e à simbologia desta prática. Para todas as outras questões vamos precisar de muito tempo pra entender. O teatro é milenar e esse questionamento só chegou na classe teatral recentemente. Não é uma matemática. Não tem uma resposta só. Vamos ter que fazer muitas peças e conversar muito pra entender. Estou disponível (…) Como ator assumidamente gay e realizando trabalhos com LGBTs me senti apto a contar essa história. Por uma questão de escolhas dramatúrgicas, a pesquisa caminhou para que eu não interpretasse a Gisberta como personagem da peça. Para tratar de sua ausência criamos um mosaico de personagens fictícios e reais que observam o seu lugar de fala e nunca o assumem”.
Luis Lobianco lembra, em seu texto, que em todas as capitais pelas quais a peça passou, o debate foi levado a público. Em seguida, o ator admite estar com dificuldades perante algumas brigas:
“Estou exausto. Questionando se levo adiante futuros projetos com essa temática. Questionando se vale a pena trabalhar tanto usando os meus privilégios a favor de um causa, mirando em um dia ter condições de criar empregos para LGBTs, se na construção desse caminho há tanta difamação”.
Ele também pede união do movimento LGBT e lembra que temos que o inimigo é outro: “Por que não lutar por mais espaço pra todos? Vamos gastar mesmo tanta energia contra aliados? LGBTs contra LGBTs mesmo quando há tantos inimigos lá fora torcendo pra que a gente se destrua e poupe o trabalho deles?
Ainda no Facebook, Lobianco fala sobre os apoios que tem recebido pelo trabalho e cita Jane Di Castro: “Selecionei a fala da minha amada Jane di Castro, a Divina Diva, para ilustrar a potência de um fazer teatral: ‘O melhor monólogo do momento que conta a história de uma trans com seus dramas e glamour. Em algumas cenas passava um filme na minha cabeça. Enfrentei a ditadura e estou aqui, eles não me venceram, perdi as contas da quantidade de peças que fiz nessa época que foi a mais difícil, sempre trabalhei. Era proibido ser travesti na rua. Hoje sou até síndica do meu prédio, há 10 anos. Rogéria fez uma bisavó numa novela. Recentemente tivemos uma atriz trans numa novela interpretando uma mulher CIS. Já pensou se as atrizes se reunissem e fizessem um protesto contra elas? No final de GISBERTA fui homenageada e me emocionei. Texto e direção perfeitos. Imperdível!'”