“Uma questão de prova que entra na dialética, na linguagem secreta de travesti, não tem nada a ver, não mede conhecimento nenhum. A não ser obrigar para que no futuro a garotada se interesse mais por esse assunto. Temos que fazer com que o Enem cobre conhecimentos úteis”, disse o capitão reformado em entrevista ao vivo ao apresentador José Luiz Datena no Brasil Urgente, da Band.
Bolsonaro negou que pretenda acabar com o exame, mas disse que seu governo não vai “ficar divagando sobre questões menores”. “Ninguém quer acabar com o Enem, mas tem que cobrar ali o que realmente tem a ver com a história e cultura do Brasil, não com uma questão específica LGBT. Parece que há uma supervalorização de quem nasceu assim”, afirmou.
A questão à qual Bolsonaro se refere está no caderno de linguagens. Nela, o teste mostrou um texto sobre “pajubá, o dialeto secreto dos gays e travestis” e questionava o candidato quanto aos motivos que faziam a linguagem se caracterizar como “elemento de patrimônio linguístico”.
Variações linguísticas são temas frequente nas provas de Linguagem
O coordenador de Português do grupo Etapa, Heric José Palos, diz não ver “razão nenhuma para algum tipo de polêmica ou celeuma” do ponto de vista do texto trazido pelo Enem.
Segundo ele, o Enem já trouxe questões relacionadas a sociolinguística. “Eu não consigo te dizer agora quando foi, se no ano passado, no ano anterior, mas já caíram questões assim, inclusive relacionadas ao preconceito linguístico. Não é surpresa, não. Na hora da prova não me causou nenhum tipo de surpresa”, disse.
Klauber Oliveira, professor de Português do cursinho Maximize e mestre em linguística pela USP afirma que variação linguística é uma temática frequente na prova e que é interessante que o estudante tenha a perspectiva de que a língua portuguesa não é estática, mas dinâmica.
A prova do Enem geralmente trabalha os diferentes usos da língua portuguesa. É legal e interessante porque mostra que a língua portuguesa tem vários usos, que ela se modifica, e o pajubá se insere nisso Klauber Oliveira, professor de Português do cursinho Maximize
O diretor pedagógico da Oficina do Estudante, Antunes Rafael diz que variações linguísticas são estudadas em sala de aula desde o ensino fundamental 1 e que o aluno precisa ser estimulado a entender que ele não conviverá apenas com textos que usam a norma culta da língua.
“Uma das competências da prova de linguagens é a valorização da língua nas suas manifestações. Isso fica evidente no manual divulgado pelo Inep sobre as competências e habilidades que serão cobradas no Enem”, diz.
“Não entendemos como questão problemática do ponto de vista estrutural. Era análise de interpretação do texto em relação à construção de sentido da questão. O aluno não precisava conhecer do dialeto para responder à questão”, diz.
Para presidente da Aliança Nacional LGBTI, questão é importante
Para o diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, a questão do Enem é importante por se tratar de um “socioleto” –variante da língua falada por um grupo social –, fenômeno que é estudado da academia pelos especialistas em linguística, da mesma maneira que existem outros socieletos na sociedade, não apenas o pajubá, linguagem usada por pessoas LGBT.
“Primeiro, tem que ler toda a questão. Meu filho de 18 anos fez a prova, não era assim. Eles estão falando dos socioletos, que tem públicos diferentes, que usam linguagem diferente. É importante perceber e respeitar esse tipo de linguagem”, disse Reis. “É uma questão da discussão da importância do domínio das linguagens”, acrescentou.
Reis diz ainda que pajubá faz parte da cultura brasileira. “Tem que ter, sim, essas questões. Tem que ter sobre negros, mulheres, evangélicos, de quem é de direita, de esquerda, apartidário”, disse.