Com voto “histórico”, Celso de Mello alfineta Damares, cita Simone de Beauvoir e aponta “omissão” do Congresso

Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia chamaram de “histórico” o voto do colega. Sessão será retomada na próxima quarta.

Celso de Mello: Ministro apontou que Congresso foi omisso no combate á LGBTfobia. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)
Celso de Mello: Ministro apontou que Congresso foi omisso no combate á LGBTfobia. (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)
Relator de uma das ações que pedem a criminalização da LGBTfobia, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello afirmou em julgamento hoje que a “heteronormatividade” restringe os direitos da população LGBT e citou, em tom crítico, a frase da ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, de que “menino veste azul e menina veste rosa”.

A sessão desta quinta foi encerrada sem o ministro terminar seu voto, que será retomado na próxima quarta. Hoje, Celso de Mello fez uma defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

“Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papéis sociais –meninos vestem azul e meninas vestem rosa– essa concepção de mundo impõe, notadamente em face dos integrantes da comunidade LGBT, uma inaceitável restrição às suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a um padrão existencial heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática”, disse o ministro.

Para exemplificar seu pensamento, Celso de Mello citou a frase da filósofa feminista francesa Simone de Beauvoir de que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”.

Durante a sessão, os ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia chamaram de “histórico” o voto de Celso de Mello.

A frase de Damares foi registrada em vídeo durante comemoração pouco depois de tomar posse no cargo. Na imagem, a ministra aparece dizendo: “Atenção, atenção. É uma nova era no Brasil. Menino veste azul e menina veste rosa”.

Em outro ponto de seu voto, Celso de Mello criticou o uso da expressão “ideologia de gênero”, termo usado por segmentos religiosos para criticar a ideia da livre orientação sexual, em contraponto à ideia defendida por esses segmentos de que o sexo biológico deve determinar o gênero e a orientação sexual.

“Cabe destacar que se algo aqui é ideológico, no sentido pejorativo, é a tese que defende que as pessoas nascem heterossexuais e cis-gêneras [pessoas cujo sexo biológico corresponde à identidade de gênero] e que por orientação sexual posteriormente passam a escolher alguma orientação sexual não heterossexual”, disse o Celso de Mello.

O ministro apontou “omissão” e “inércia” do Congresso Nacional no enfrentamento da LGBTfobia, ao prosseguir a leitura do voto de mais de 70 páginas.

“A omissão do Estado qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, uma vez que mediante inércia o poder público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam. Mediante inércia o poder público também impede a própria aplicabilidade dos postulados da lei fundamental. A inércia do Estado qualifica-se perigosamente como um dos processos deformadores da Constituição”, disse.

Celso de Mello foi o primeiro ministro a votar, quando o STF julga duas ações que pedem a criminalização da LGBTfobia, que são caracterizadas por ofensas, agressões ou atos de preconceito contra as pessoas LGBT. O ministro não concluiu seu voto e ainda não é possível saber se ele vai deferir o pedido.

As ações foram apresentadas pelo PPS (Partido Popular Socialista) e pela ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros). Celso de Mello é relator de um dos processos e o ministro Edson Fachin, do outro.

O crime de LGBTfobia não está previsto na legislação penal brasileira. Nos casos envolvendo agressões motivadas por preconceito contra a população LGBT, a conduta é tratada como lesão corporal, tentativa de homicídio ou ofensa moral.

As ações afirmam que a discriminação hoje existente na sociedade tem impedido a população LGBT de viver livremente os exercícios de todos os seus direitos.

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