O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (13), por maioria de votos, a criminalização de atos de LGBTfobia.
Os ministros consideraram que atos preconceituosos contra pessoas LGBT devem ser enquadrados no crime de racismo.
Conforme a decisão da Corte:
- “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” em razão da orientação sexual ou identidade de gênero da pessoa poderá ser considerado crime;
- a pena será de um a três anos, além de multa;
- se houver divulgação ampla de ato LGBTfóbico em meios de comunicação, como postagem em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;
- a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema.
Com a decisão, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a LGBTfobia, segundo o relatório “Homofobia Patrocinada pelo Estado”, elaborado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga).
No julgamento, o Supremo atendeu parcialmente a duas ações apresentadas pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e pelo partido Cidadania (antigo PPS).
Essas ações pediam que o STF fixasse prazo para o Congresso aprovar uma lei sobre o tema. Este ponto não foi atendido.
Durante a sessão desta quinta-feira, os ministros fizeram ressalvas sobre manifestações em templos religiosos. Conforme os votos apresentados:
- não será criminalizado: dizer em templo religioso que é contra relações entre pessoas do mesmo sexo;
- será criminalizado: incitar ou induzir em templo religioso a discriminação ou o preconceito.
No julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso propôs que os crimes de assassinato e lesão corporal contra pessoas LGBT tivessem agravante na pena. Os demais ministros, porém, não discutiram esse tema.
O julgamento começou em fevereiro, quando quatro ministros votaram a favor de enquadrar a LGBTfobia como racismo:
- Celso de Mello;
- Luiz Edson Fachin;
- Alexandre de Moraes;
- Luís Roberto Barroso.
Em maio, o julgamento foi retomado e mais dois ministros também votaram a favor da criminalização, formando maioria dos votos:
- Rosa Weber;
- Luiz Fux.
>> Saiba mais abaixo os detalhes dos votos de cada ministro.
Retomada do julgamento
A sessão desta quinta-feira (13), a sexta destinada à análise do tema, foi iniciada com a votação da ministra Cármen Lúcia.
Ao apresentar o voto, afirmou que o STF deve proteger o direito do ser humano à convivência pacífica. Também destacou que “todo preconceito é violência e causa de sofrimento”.
“Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é diferente, o negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando. (…) Todo preconceito é violência, toda discriminação é causa de sofrimento”, votou.
Na opinião da ministra, discriminação “castiga” a pessoa desde o lar, uma vez que afasta pai de filho, irmãos e amigos. Ressaltou que o Congresso foi inerte até o momento em relação ao tema, acrescentando que os episódios reiterados de ataques contra pessoas LGBT revelam “barbárie”.
Em seguida, Ricardo Lewandowski apresentou o voto, divergente dos até então apresentados. O ministro se posicionou contra a permissão para criminalizar a homofobia, mas disse considerar que o Congresso foi omisso. Frisou que não cabe ao STF definir em qual crime os atos devem ser enquadrados porque isso é função do Poder Legislativo.
“Tais grupos têm sofrido as mais diversas formas de preconceito conforme noticiado pela imprensa. O direito a igualdade está consagrado na Constituição. E os organismos internacionais confirmam a discriminação relativa à orientação sexual ou à identidade de gênero. A extensão do tipo penal para abarcar situações parece atentar para o princípio da reserva legal que constitui uma garantia fundamental que promove a segurança jurídica de todos.”
Lewandowski destacou, porém, que punir a LGBTfobia é “simbólico”. “Punir criminalmente a homofobia e a transfobia é simbólico. É simbólico. E é, segundo penso, apenas o primeiro passo. Reconheço que a lei pode muito, mas não pode tudo. Estamos aqui a tratar a necessidade de mudanças culturais complexas que, acaso vinguem, serão incorporadas ao repertório jurídico e policial paulatinamente. Essa reflexão, porém, não diminui a importância de que esse primeiro passo seja dado”, afirmou.
Na sequência, Gilmar Mendes destacou que a omissão do Congresso é grave por deixar de proteger a comunidade LGBTQI+. Para o ministro, a falta de uma legislação afronta, ainda, a dignidade humana.
“Entendo estarmos diante de uma inação congressual que apresenta o mesmo nível de gravidade ou até maior do que aquelas verificadas em outras omissões inconstitucionais que tem historicamente demandado atuação ativa do Supremo. Assim considerando a seriedade das ofensas sistematicamente dirigidas às esferas jurídicas das minorias que pleiteiam manifestação dessa corte, entendo que não há como afastar o cabimento da presente ação. (…) Resta claro que a mora legislativa discutida consubstancia inegável insuficiência na proteção constitucional que determina a criminalização da discriminação atentatória à dignidade humana.”
O ministro destacou que dados indicam que a maioria das vítimas de atos LGBTfóbicos são negras ou pardas, o que indica que “as discriminações se sobrepõem”.
Votos dos ministros
Saiba como todos os ministros do STF sobre a criminalização da LGBTfobia:
- Celso de Mello (relator): Afirmou que a livre expressão de ideias, pensamentos e convicções, inclusive em questões religiosas ou confessionais, não pode ser impedida pelo poder público. O ministro considerou, no entanto, que não se trata de “direito absoluto”. Argumentou que pronunciamentos que “extravasam os limites da livre manifestação de ideias”, transformando-se em insulto, ofensa ou estímulo à intolerância e ao ódio, “não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de expressão do pensamento”.
- Edson Fachin: Argumentou que a proteção de direitos fundamentais permite ao STF a interpretação de crimes sem que haja interferência na atividade legislativa. Além disso, argumentou que falta uma lei específica, o que inviabiliza o exercício de direitos da comunidade LGBTI. O ministro afirmou ainda que há uma “gritante ofensa a um sentido mínimo de justiça”, provocada pela “omissão legislativa”.
- Alexandre de Moraes: Afirmou que a omissão do poder público em impor limites ao preconceito tem permitido que agressões verbais e físicas constantes evoluam para homicídios de homossexuais e transexuais. “Nada insufla mais o criminoso do que a impunidade”, disse.
- Luís Roberto Barroso: Afirmou que, embora a criação de leis seja papel do Poder Legislativo, a interpretação constitucional é papel do Supremo. Também disse que a comunidade LGBTI é um grupo “vulnerável”, além de “vítima de preconceitos e de violência”. “Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se o Congresso não atuou, é legítimo que o Supremo atue para fazer valer o que está previsto na Constituição”, acrescentou.