Analisamos as propostas para a população LGBTQIA+ nos planos de governo dos quatro presidenciáveis à frente na última pesquisa de intenção de voto do Instituto Datafolha e constatamos: Lula (PT) é o que sai na frente, com duas menções à sigla, seguido por Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), ambos com uma menção cada.
Atual candidato à reeleição para presidente, Jair Bolsonaro (PL), que já disse frases como “ninguém gosta de homossexual; a gente suporta” em entrevista à TV Bandeirantes em 1997, não menciona a população LGBTQIA+ uma única vez em 48 páginas do seu plano de governo. Mesmo seus outros três adversários com quem divide o topo das pesquisas, em campos mais progressistas e à esquerda no espectro político, não dedicam mais do que dois parágrafos dos documentos de campanha registrados no TSE (Tribunal superior Eleitoral) para apresentar propostas a população LGBTQIA+, que representa cerca de 15% dos brasileiros, ou mais de 30 milhões de pessoas, segundo estimativa da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos).
“São planos de governo rasos, que ainda colocam as necessidades das pessoas LGBTQIA+ em segundo plano. Na prática, os candidatos entendem que precisam falar do assunto, mas não assumem um compromisso com essas agendas”, opina a advogada Luanda Pires, especialista em relações governamentais, direito antidiscriminatório e diversidade.
Em todos os casos, especialmente nos planos de governo de Ciro Gomes e Simone Tebet, as citações ao tema não são propostas concretas, mas diretrizes, que os candidatos não sinalizam como vão se transformar em ações práticas.
A reportagem pediu às assessorias de imprensa dos quatro candidatos —Lula, Bolsonaro, Ciro e Simone— que dessem mais detalhes sobre as propostas para a população LGBTQIA+, mas nenhum deles respondeu.
“Obrigados” a citar LGBTQIA+
Embora esse não seja um tema chave nessas eleições —afinal, “com a situação que o Brasil está hoje, as pessoas vão votar pensando no preço do leite”, diz Ivanilda Figueiredo, professora de direito constitucional da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro)— a população LGBTQIA+ precisa de um olhar sério do Estado.
“Mesmo com medo de perder votos, não puderam não falar sobre nós”, opina Ivanilda, que também é pesquisadora em direitos humanos e temas relacionados a gênero e sexualidade.
Ao mesmo tempo que os presidenciáveis sabem que precisam fazer menções ao grupo, os planos de governo mostram que eles não conhecem a fundo suas demandas —o próprio Ciro Gomes (PDT) já deu declarações dizendo que “não tem paciência para lidar” com questões identitárias, como linguagem neutra, que chamou de “baboseiras do esquerdismo”. “Isso é muito grave”, diz a professora.
Além disso, percebe Luanda Pires, faltam pessoas LGBTQIA+ envolvidas diretamente nas campanhas, com possibilidade de ocupar cargos de destaque no possível governo. “Não vemos nossas pessoas preenchendo lugares importantes. Ainda acham que podem falar por nós, mas nós lutamos para estarmos representados, falando em primeira pessoa”, critica.
O que dizem os candidatos
Lula (PT)
O ex-presidente e líder nas pesquisas de intenção de voto faz duas menções à população LGBTQIA+ em seu plano de governo, mencionando o direito à saúde e o combate à homofobia e à transfobia.
“Não haverá democracia plena no Brasil enquanto brasileiras e brasileiros continuarem a ser agredidos, moral e fisicamente, ou até mesmo mortos por conta de sua orientação sexual”, diz o documento. Ele também cita:
- Políticas que garantam os direitos, o combate à discriminação e o respeito à cidadania LGBTQIA+ em suas diferentes formas de manifestação e expressão;
- Políticas que garantam o direito à saúde integral desta população, a inclusão e permanência na educação, no mercado de trabalho e que reconheçam o direito das identidades de gênero e suas expressões;
- Políticas de segurança pública [que] contemplarão ações de atenção às vítimas e priorizarão a prevenção, a investigação e o processamento de crimes e violências contra mulheres, juventude negra e população LGBTQIA+.
Jair Bolsonaro (PL)
O atual presidente não cita a população LGBTQIA+ e nem menciona políticas públicas relacionadas ao grupo —apesar disso, percebe Ivanilda Figueiredo, essas pessoas estão no centro da política bolsonarista “porque o preconceito contra elas é usado por Jair Bolsonaro e seus aliados para se promover”.
“Enquanto isso, no campo das políticas públicas, elas são continuamente excluídas”, critica a professora, que lembra que, durante o atual governo, o que houve foi o desmonte do Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT+ e “o Ministério [da Mulher, Família e Direitos Humanos, que deveria ser responsável pela área] não gastou um real em políticas públicas para garantir a proteção ou ampliar os direitos da população LGBTQIA+”.
Ciro Gomes (PDT)
- Criação do Comitê Nacional de Políticas Públicas LGBTI+ com representantes estaduais;
- Criação da Secretaria Nacional de Políticas Públicas para a Cidadania da população LGBTI+, que efetivamente implemente o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBTI+, incluindo o amparo à seguridade de trabalho, emprego e renda e a implementação de ações afirmativas de combate à discriminação institucional de empresas e no ambiente de trabalho.
Simone Tebet (MDB)
- Adotar medidas que garantam a igualdade de oportunidades a mulheres, jovens, pessoas idosas, com deficiência e com doenças raras, negros, quilombolas, população LGBTQIA+, povos originários e outras minorias em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública;
Principais demandas: segurança, saúde e educação
A professora e pesquisadora Ivanilda Ribeiro lista quatro demandas principais do movimento LGBTQIA+ para o próximo presidente:
- Segurança pública: embora o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha criminalizado a LGBTfobia, em 2019, os estados ainda precisam adaptar os profissionais e os boletins de ocorrência, o que não vem sendo feito. “É muito importante que a gente torne isso política pública nacional”, fala.
- Educação: “É urgente que a gente volte a fazer o debate sobre cidadania e direitos humanos nas escolas para combater a violência de gênero e a LGBTfobia”, defende.
- Saúde: para Ivanilda, é fundamental que o país tenha uma política de saúde integra para pessoas LGTQIA+, seja para questões específicas, como transição de gênero, seja ao buscar consultas comuns, no ginecologista, por exemplo: “Um homem gay ou uma travesti precisam ser bem atendidos no SUS”.