Por Ben Hubbard, Elif Ince e Safak Timur – Quando Yasemin Oz, advogada lésbica residente em Istambul, ouviu o presidente Recep Tayyip Erdogan declarar sua vitória no segundo turno, ela temeu pelo futuro. Em seu discurso, Erdogan declarou que “a família é sagrada” e insistiu que pessoas LGBTQIA+ jamais vão se “infiltrar” em seu partido governista.
Eram temas já fartamente conhecidos, ouvidos com frequência na campanha de reeleição do presidente. Erdogan lançou ataques frequentes a pessoas da comunidade, qualificando-as de “pervertidas” e dizendo que “estão se espalhando como a peste”. Mas Oz esperava que isso não passasse de propaganda eleitoral para mobilizar a base conservadora do presidente. “Eu já estava preocupada com o que o futuro reservava para nós”, disse a advogada de 49 anos. Mas depois do discurso, pensou: “As coisas vão piorar”.
Os direitos e as liberdades dos cidadãos LGBTQIA+ viraram uma questão controversa na campanha deste ano. Erdogan enfrentou sua maior ameaça política em duas décadas como líder do país e, em um esforço para cortejar eleitores conservadores, atacou seus rivais por supostamente apoiarem os direitos LGBTQIA+. Com medo de desagradar a alguns de seus próprios eleitores, a oposição evitou o assunto.
Isso deixou muitas pessoas LGBTQIA+ com medo de que a discriminação enfrentada há muito tempo, do governo e de setores conservadores, agrave-se, sentindo que não contam com o apoio de ninguém.
“As pessoas estão assustadas, com pensamentos distópicos: ‘Será que vão nos atacar no meio da rua, vão nos apunhalar?’”, diz Ogulcan Yediveren, coordenador do SpoD, organização de defesa dos direitos LGBTQIA+, de Istambul. “O que vai acontecer é que as pessoas vão esconder sua identidade, e isso não é bom.”
País secular de maioria muçulmana, a Turquia não criminaliza pessoas LGBTQIA+ e tem leis contra a discriminação. Mas em conversas recentes, mais de uma dúzia de pessoas LGBTQIA+ contaram que têm dificuldade em encontrar emprego, moradia segura e atendimento médico de boa qualidade, além de não se sentirem completamente aceitos por seus amigos, familiares, vizinhos e colegas de trabalho.
Eles disseram que nos últimos anos têm enfrentado novas restrições à sua visibilidade na sociedade. As universidades fecharam os clubes estudantis da comunidade e, desde 2014, as autoridades proibiram as Paradas do Orgulho LGBTQIA+ nas grandes cidades, incluindo Istambul, onde no passado o evento atraía dezenas de milhares de participantes. Tudo isso condiz com a visão que Erdogan tem para a Turquia.
Desde o início de sua carreira política nacional, em 2003, Erdogan aumentou seu próprio poder e promoveu uma visão muçulmana conservadora da sociedade. Ele insiste que o casamento só pode unir um homem e uma mulher e incentiva as mulheres a ter três filhos, para construir a nação.
Defensores dos direitos humanos dizem que, à medida que o poder de Erdogan aumentou, sua visão conservadora se infiltrou no resto da sociedade, incentivando autoridades locais a restringir atividades LGBTQIA+ e as forças de segurança a reprimir o ativismo em favor dos direitos iguais.
O discurso antidiversidade sexual e de gênero foi mais forte nesta eleição, apesar de não haver mudanças legais previstas que vão ampliar ou limitar direitos. Nenhum partido se propõe a legalizar o casamento ou a adoção de crianças por casais do mesmo sexo nem a ampliar atendimento médico dado a jovens trans.
Em vez disso, Erdogan e seus aliados instrumentalizam a questão para mobilizar a base conservadora.
“O que eles querem impor à sociedade em termos de outros valores é cheio de ódio e violência em relação a nós”, disse Nazlican Dogan, 26, que enfrenta acusações legais ligadas à participação em protestos pró-LGBTQIA+ na Universidade Bogazici, em Istambul. “É realmente repulsivo e nos passa a impressão de que não podemos existir neste país –que eu deveria simplesmente ir embora.”
Em sua campanha, Erdogan caracterizou as pessoas LGBT como uma ameaça à sociedade.
“Se o conceito de família não é forte, a destruição da nação se dá rapidamente”, disse ele a jovens em encontro transmitido pela televisão no início de maio. “O LGBT é um veneno injetado na instituição da família. Somos um país em que 99% da população é muçulmana. Não podemos aceitar esse veneno.”
O ministro do Interior, Suleyman Soylu, foi ainda mais longe em abril, alegando falsamente que os direitos LGBTQIA+ permitiriam que humanos se casassem com animais. Durante a campanha, o SpoD pediu aos candidatos ao Parlamento que assinassem um contrato de proteção dos direitos LGBTQIA+. Cinquenta e oito assinaram, e 11 deles foram eleitos para a legislatura de 600 membros, disse Yediveren, coordenador da organização. Sua entidade também tenta ampliar as proteções legais para o grupo.
Certas leis turcas proíbem a discriminação, mas não citam a identidade ou a orientação sexual, disse Yediveren. Ao mesmo tempo, autoridades frequentemente citam conceitos vagos como “moral geral” e “ordem pública” para combater atividades que as desagradam, como eventos da Semana do Orgulho LGBTQIA+.
“Esta semana é muito importante porque não temos locais físicos onde possamos nos reunir como comunidade para apoiar uns aos outros”, disse Bambi Ceren, 34, membro do comitê que planeja os eventos da Semana do Orgulho deste ano, que começa em 19 de junho. No ano passado a polícia impediu a realização dos eventos e prendeu pessoas reunidas para participar, disseram membros do comitê.
A SPoD opera uma linha direta nacional para esclarecer dúvidas sobre orientação sexual, proteções legais ou acesso a assistência médica e outros serviços. A entidade pode resolver a maioria das questões ligadas a serviços, disse Yediveren, mas os problemas da maioria dos que telefonam são de ordem social e emocional. “As pessoas se sentem muito sozinhas e isoladas”, disse ele. E o risco de violência é real.
Alguns dizem que foram espancadas por membros das forças de segurança durante protestos ou tratadas com indiferença pela polícia quando eram assediadas na rua.
Pesquisa realizada em 2022 pela ILGA-Europe, ONG de defesa dos direitos humanos, colocou a Turquia como penúltima dos 49 países europeus no quesito dos direitos de pessoas LGBTQIA+. Outra entidade, a Transgender Europe, disse que 62 pessoas trans foram assassinadas na Turquia entre 2008 e 2022. Muitas pessoas LGBTQIA+ receiam que sua demonização durante a campanha eleitoral agrave essa ameaça.
Uma estudante universitária queer da minoria curda turca, que cresceu em cidades pequenas sem presença significativa de sua comunidade, disse recear que haja tempos tenebrosos pela frente.
Para ela, quem normalmente não cometeria atos de violência pode se sentir empoderado para fazê-lo porque o governo disseminou o ódio por pessoas como ela, alegando que são doentes, perigosas ou um perigo para a família. A estudante pediu anonimato para falar, temendo ser atacada.
Apesar do perigo crescente, muitas pessoas LGBTQIA+ prometeram que vão continuar a lutar por seus direitos e para manter sua visibilidade na sociedade. Para lidar com o medo de sofrer ataques aleatórios, pretendem cuidar mais umas das outras para garantir sua segurança.
Tradução de Clara Allain