Política

Parlamentares pressionam e votação de projeto que impede casamento entre pessoas do mesmo sexo é adiado

Daiana Santos, Erika Kokay, Erika Hilton, Pastor Henrique Vieira e Fernanda Melchionna atuaram fortemente para que o projeto não fosse votado após a realização de audiência pública para discutir o tema.

Daiana Santos (PCDOB-RS), Erika Kokay (PT-DF), Erika Hilton (PSOL-SP), Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS)
Daiana Santos (PCDOB-RS), Erika Kokay (PT-DF), Erika Hilton (PSOL-SP), Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS)

Em uma sessão tumultuada e com muitas falar LGBTfóbicas, a Comissão de Previdência e Família da Câmara dos Deputados adiou nesta terça-feira (19) a votação do parecer do deputado Pastor Eurico (PL-PE) que dá aval a um projeto que proíbe o reconhecimento do casamento civil homoafetivo – ou seja, entre pessoas do mesmo sexo.

O segundo adiamento de votação da proposta foi definido após quase duas horas de discussão para chegar a um acordo entre parlamentares de esquerda e da oposição. Daiana Santos (PCDOB-RS), Erika Kokay (PT-DF), Erika Hilton (PSOL-SP), Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS) atuaram fortemente para que o projeto não fosse votado.

Pela decisão, o texto – avaliado como inconstitucional por juristas (veja mais abaixo) – retornará à pauta do colegiado somente depois da realização de uma audiência pública sobre o tema.

O debate ocorrerá na próxima terça (26). Na quarta (27), o projeto será votado com o compromisso de parlamentares de esquerda em não obstruir a discussão.

A sessão da comissão nesta terça-feira foi tomada por protestos de ativistas. Antes do início do encontro, manifestantes entoaram cantos em defesa dos direitos LGBTQIA+. Os protestos contaram com a participação de parlamentares de partidos à esquerda.

“Nenhum direito a menos”, afirmaram.

O clima também se estendeu ao corredor que dá acesso ao plenário em que a reunião ocorreu. Para evitar superlotação do espaço e possíveis confrontos, a Polícia Legislativa bloqueou a entrada de um grupo, que protestou.

Os protestos seguiram no decorrer da discussão, sob ameaças – feitas pelo presidente da comissão, Fernando Rodolfo (PL-PE) – de retirada de manifestantes que atrapalhassem o andamento da reunião.

Comissão da Câmara Federal vota PL que proíbe casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil
Comissão da Câmara Federal vota PL que proíbe casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil

Parecer do relator

No parecer em discussão, Eurico analisou nove projetos sobre o tema que tramitam em conjunto na Câmara. O principal, apresentado pelo então deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), estabelecia a possibilidade de celebrar casamentos homoafetivos.

O parlamentar, no entanto, rejeitou o texto e outros sete. Somente a proposta que veta o reconhecimento desse tipo de união recebeu o aval do relator.

O projeto adiciona um parágrafo ao artigo do Código Civil que elenca impedimentos para a celebração de casamentos e uniões estáveis. Segundo o projeto, relações entre pessoas do mesmo sexo não poderão ser equiparadas:

  • ao casamento
  • à entidade familiar

Eurico justificou o acolhimento da proposta com base em teses religiosas e chegou a afirmar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é “contrário à verdade do ser humano”.

Decisão do STF

O texto em análise na comissão foi apresentado em 2009 – três anos antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) permitir uniões entre pessoas do mesmo sexo – e desengavetado neste ano.

Os casamentos homoafetivos não estão regulamentados em lei. A base jurídica para a oficialização dessas relações é uma decisão do STF de 2011.

À época, por unanimidade, os ministros decidiram que um artigo do Código Civil deveria ser interpretado para garantir o reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão também considerou essas relações como entidades familiares.

Dois anos depois, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou resolução para obrigar a celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo em cartórios.

Desde a resolução do CNJ, o número de uniões homoafetivas cresceu quase quatro vezes no Brasil. Os registros saltaram de 3.700 em 2013, para quase 13 mil até 2022.

Afronta à Constituição

Relator da ação que assegurou o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o ministro aposentado do Supremo Ayres Britto avaliou que a proposta em discussão na Câmara “está em rota de colisão” com o que decidiu a Corte.

“O que o STF decidiu, por unanimidade, foi à luz da Constituição. O entendimento é claro e assegura aos casais homossexuais os mesmos direitos de uniões formadas por pessoas de sexos diferentes”, afirmou Britto em entrevista ao site g1.

De acordo com o ministro, o projeto não tem “chance de prosperar”. “Juridicamente, é uma afronta aos princípios constitucionais”, explicou.

“Hipoteticamente, em uma chance muito remota, essa lei seria derrubada pelo Supremo. O STF reafirmaria o entendimento adotado em 2011.”

O tom é o mesmo adotado por Celso de Mello, também ministro aposentado da Corte. Para ele, iniciativas semelhantes à discutida na comissão representam um “retrocesso social”.

“Qualquer ensaio objetivando impedir, por via legislativa, o reconhecimento do casamento civil homoafetivo constituirá, segundo penso, um gesto de indigno retrocesso social, impregnado de indisfarçável e censurável preconceito, vulnerador de postulados constitucionais básicos, todos eles protegidos por cláusula pétrea”, disse Celso de Mello.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também discursou em defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+ nesta terça, horas antes de a análise ser retomada na comissão.

“Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência”, disse, em discurso na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

O terceiro mandato de Lula é a primeira gestão federal a contar com uma secretaria nacional dedicada aos direitos das pessoas LGBTQIA+. O cargo é ocupado pela travesti Symmy Larrat.

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