Política

Trump altera gênero de Erika Hilton em visto para EUA; deputada acionará ONU por transfobia

Visto anterior a definia corretamente como do gênero feminino; parlamentar afirma que cancela viagem por medo do tratamento que receberia na entrada do país.

Deputada Erika Hilton, do PSOL. (Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados)
Deputada Erika Hilton, do PSOL. (Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados)

A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), uma das primeiras parlamentares trans da história da Câmara dos Deputados, denunciou nesta semana um caso de transfobia institucional envolvendo o governo dos Estados Unidos. A congressista recebeu um visto americano com o gênero masculino, contrariando seus documentos civis brasileiros e sua identidade de gênero.

A situação levou Erika a cancelar sua participação oficial na Brazil Conference at Harvard & MIT, que ocorreu neste sábado (12), em Cambridge. A viagem tinha sido autorizada pela presidência da Câmara como missão oficial, e o trâmite para emissão do visto foi iniciado via embaixada norte-americana.

Segundo Erika, a mudança de gênero no documento foi feita sem qualquer justificativa ou consentimento. A parlamentar afirma ter apresentado todos os registros legais — incluindo certidão de nascimento retificada e passaporte diplomático com gênero feminino — ainda assim, o visto emitido em 3 de abril a identificava como homem.

Não se trata apenas de um caso de transfobia. Se trata de um documento sendo rasgado sem o menor tipo de pudor e compromisso. Irei acionar o presidente [dos EUA] Donald Trump judicialmente na ONU e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Queremos que o Itamaraty chame o embaixador para dar explicações”, afirmou Erika.

Medo de represálias e constrangimento

Erika relata que a decisão de não embarcar aos Estados Unidos foi motivada por medo do tratamento que poderia receber em solo americano, especialmente durante o processo de imigração.

Me senti violada, desrespeitada e senti as competências do meu país sendo invadidas por uma pessoa completamente alucinada, um homem doente que ocupou a presidência da República dos EUA e se sente dono da verdade. Meus documentos civis brasileiros foram desrespeitados.”

Fiquei preocupada com o tratamento que receberia no aeroporto. O nome no passaporte é feminino, mas o gênero no visto era masculino. Senti medo, para ser sincera. E não aceitei me submeter a esse tipo de coisa. Mesmo perdendo uma atividade importante, não deveria me submeter a tamanha violência e desrespeito.”

Retrocessos na política de identidade de gênero dos EUA

A decisão da embaixada americana acontece em meio a uma onda de retrocessos promovidos pelo governo Trumpnas políticas de reconhecimento de identidades trans. Em janeiro, em seu primeiro dia de mandato, Trump assinou uma ordem executiva que restringe o reconhecimento de gênero ao binarismo masculino e feminino, eliminando categorias como identidade de gênero em formulários federais.

Além disso, a gestão atual também suspendeu a emissão de passaportes com marcação “X”, destinada a pessoas não binárias — uma medida que havia sido implementada sob a administração de Joe Biden.

Mesmo sem citar diretamente sua identidade de gênero, a modificação no documento da deputada brasileira é interpretada por ela e por sua equipe como uma clara violação diplomática e um ato de transfobia de Estado.

É uma situação de violência, de desrespeito, de abuso, inclusive, do poder, porque viola um documento brasileiro. É uma expressão escancarada, perversa, cruel, do que é a transfobia de Estado praticada pelo governo americano”, critica Erika.

Itamaraty e embaixada americana ainda não se manifestaram

Até o momento, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil não se posicionou oficialmente sobre o caso, e o Ministério das Relações Exteriores brasileiro também não emitiu nota pública. Erika defende que o episódio exige uma resposta formal do governo brasileiro.

“Quando praticada nos Estados Unidos, ainda pede uma resposta das autoridades e do Poder Judiciário americano. Mas quando invade um outro país, pede também uma resposta diplomática, uma resposta do Itamaraty.”

Embora a equipe jurídica da deputada reconheça que atos consulares são de soberania americana, o caso está sendo avaliado como uma violação de direitos humanos e uma afronta à autodeterminação de gênero, protegida por acordos internacionais dos quais os Estados Unidos são signatários.

Erika Hilton deve formalizar nas próximas semanas ações junto à ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, além de buscar apoio de parlamentares e organizações da sociedade civil em nível internacional.

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