Desde 2021, o estado do Rio de Janeiro tem se destacado como referência nacional no acolhimento de crianças e adolescentes trans. Nesse período, cerca de 350 menores de idade conquistaram a retificação de nome e gênero nos documentos oficiais, um direito que, embora reconhecido por decisões do Supremo Tribunal Federal, ainda enfrenta barreiras em grande parte do Brasil.
Um exemplo é Lucas de Souza Maciel, de 16 anos, que, junto à mãe Nilce Maria, garantiu a retificação de seu nome em um mutirão organizado pela 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso no Rio, em outubro deste ano. Para Lucas, a mudança representa muito mais do que uma conquista legal.
“Apesar do meu nome social ser respeitado por muitas pessoas, agora ele está na minha certidão de nascimento e em outros documentos. Não vou mais precisar me explicar: é Lucas e pronto”, comemorou o adolescente em entrevista ao O Globo.
O processo para retificação inclui a apresentação de documentos como identidade e CPF do menor e do responsável legal, certidão de nascimento e comprovante de residência. Além disso, exige-se um relatório de saúde que ateste a manifestação livre da criança ou adolescente, mas sem caracterizá-la como diagnóstico médico.
Mutirões e Acolhimento
Os mutirões realizados no estado foram impulsionados pela ONG Minha Criança Trans, fundada por Thamirys Nunes, cuja filha foi a primeira criança a obter a retificação no Rio. A iniciativa veio da necessidade de criar espaços seguros e de facilitar o acesso ao direito, em um país onde essas garantias ainda não são uniformemente aplicadas.
“Nosso trabalho é garantir que crianças e adolescentes trans tenham acesso à retificação de forma digna. Levou cerca de um ano de diálogo com defensores públicos e juízes para que os mutirões começassem”, explica Thamirys.
O impacto dessa conquista vai além dos documentos. Segundo Bento Rezende, psicólogo e pesquisador, a retificação protege jovens trans de violências cotidianas: “Ela reduz a ansiedade e o estresse causados pela exposição do nome de registro. É uma ferramenta que contribui para uma infância e adolescência mais alinhada ao que faz sentido para eles naquele momento”.
Histórias de Resistência
Além de Lucas, Theo Andrade, de 11 anos, viajou com sua mãe, Camila, de Pernambuco ao Rio para participar do mutirão. Em sua cidade natal, marcada por conservadorismo, o menino enfrenta barreiras à sua transição.
“O dia da retificação foi histórico. Os documentos novos representam um recomeço para nossa família. Theo diz que é a criança mais feliz do mundo, e isso basta”, compartilha Camila.
Para crianças como Theo e Lucas, a retificação é um símbolo de reconhecimento e dignidade. Contudo, ativistas reforçam a necessidade de avanços legislativos para garantir esse direito em todo o Brasil, sem depender de iniciativas regionais.
Enquanto isso, histórias como a de Lucas e Theo inspiram outras famílias a buscar apoio, enfrentar preconceitos e celebrar a pluralidade que crianças trans trazem à sociedade.