Pará

Primeira morte por homofobia no Brasil é ponto de partida de exposição queer em Belém

O artista Henrique Montagne percorre o Pará e revela corpos queers nos traços negros, indígenas e caboclos da Amazônia contemporânea.

Obra da mostra "Tybyras", de Henrique Montagne. (Foto: Divulgação)
Obra da mostra “Tybyras”, de Henrique Montagne. (Foto: Divulgação)

Um dos destaques da cena contemporânea da Amazônia, o paraense Henrique Montagne abre exposição individual na próxima quinta-feira (12), na Elf Galeria, em Belém. “Tybyras, Caminhos de uma Amazônia Queer” parte do primeiro caso documentado de morte por LGBTfobia da história do país, quando um indígena foi assassinado com um tiro de canhão, com a anuência de religiosos da Igreja Católica.

O caso bárbaro vitimou Tybyra do Maranhão, tupinambá que, em 1614, foi condenado à morte pela inquisição católica por sodomia. Partindo desta figura, o artista constrói uma série de trabalhos poéticos que combina atravessamentos das linguagens do desenho, texto e da fotografia, com pesquisa sobre gênero e sexualidade, as reflexões em torno da sua ancestralidade e identidade como pessoa mestiça e indígena.

“Tybyras, Caminhos de uma Amazônia Queer” é a terceira mostra individual de Henrique, que em 2023, apresentou a exposição “Invertido”, que fala do universo LGBTQIA+ forjado pela cultura pop como ferramenta de sobrevivência e construção identitária, desde a infância, adolescência até a fase adulta vividas na periferia da Amazônia. Henrique também participou uma mostra coletiva de arte queer em Portugal, e foi indicado, em 2022, ao prêmio PIPA, um dos mais importantes do Brasil. A nova mostra é resultado do projeto “Tybyras” que foi selecionado pelo Edital de Pesquisa e Experimentação em Artes Visuais da Lei Paulo Gustavo 2024.

Obra da mostra "Tybyras", de Henrique Montagne. (Foto: Divulgação)
Obra da mostra “Tybyras”, de Henrique Montagne. (Foto: Divulgação)

A existência queer ancestral

A partir deste personagem invisibilizado e até pouco tempo descoberto da história brasileira e originária, o artista caminha e traz reflexões em torno da alma e da identidade “Tibira”, termo já usado pelos povos originários deste território para designar pessoas diversas, diferentes e que fugiam a determinada normatividade nas suas aldeias. “Essas relações eram já vistas com naturalidade a depender da cultura de cada aldeia, entendendo que assim como a natureza somos diversos como ela, pois somos uma só coisa”, diz Henrique.

Para erguer a exposição, Montagne percorreu muitas Amazônias e esteve em territórios ancestrais, entre eles Mairi (Belém), Ilha do Marajó (Soure), Carajás (Marabá, Serra Pelada, Parauapebas, Canaã dos Carajás) e Tapajós (Santarém, Alter do Chão). Destas incursões, o artista traz o recorte de pessoas LGBTQIA+ indígenas, mestiças, ribeirinhas e caboclas que conheceu em cada uma de suas paradas.

“Nesses caminhos percorridos, pude me encontrar e me conectar através desses laços de maneira coletiva, formando um aldeamento de ideias, conversando, conhecendo e admirando pessoas que assim como ele compartilham da diversidade e de histórias que se encontram em meio a esta grande floresta de rios e ygarapés que envolvem diferentes sotaques, cosmovisões, vivências e resistências, mas que também se curam de todas as feridas coloniais causadas pela branquitude”, diz.

As obras de Henrique emergem de reflexões e provocações urgentes: o processo de apagamento e invisibilidade das discussões étnico-raciais da ancestralidade indígena e amazônida no Brasil em contextos contemporâneos; o projeto colonial até então vigente de desaparecer e eliminar a diversidade sexual e as livres expressões de gênero na sociedade; o apagamento da floresta e o desalinhamento de discursos ligados e preocupados com a natureza, separando o corpo em uma coisa e a natureza em outra.

“Tybyras é uma exposição para todos aqueles dispostos a percorrer e conhecer caminhos desviantes nessa Amazônia de pés descalços, chamando o ancestral no hoje”, diz Montagne.

Serviço:

Abertura da mostra Tybyras, “Caminhos de uma Amazônia Queer” , dia 12 de dezembro, às 18h. Visitação: 12 de dezembro – 15 de fevereiro de 2025, na Elf Galeria, localizada na Passagem Bolonha, nº 60 – Nazaré. Entrada franca.

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