Luana, a adolescente que aos 6 anos mudou legalmente de gênero

História de luta e pioneirismo marca avanço nos direitos das crianças trans no país.

Luana, hoje com 17 anos, conseguiu mudar o gênero em sua identidade aos 6 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)
Luana, hoje com 17 anos, conseguiu mudar o gênero em sua identidade aos 6 anos. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu, menina. Eu, princesa.” Foi com essa frase, gaguejada aos 2 anos de idade, que Luana — à época chamada de Manuel — deu início a uma jornada de afirmação de sua identidade de gênero. O episódio, desencadeado enquanto brincava com vestidos, foi o primeiro de muitos momentos marcantes vividos por ela e sua mãe, Gabriela Mansilla.

Luana se tornou uma das primeiras crianças trans do mundo a conquistar, aos 6 anos, a mudança de nome e gênero em seu Documento Nacional de Identidade (DNI) sem a necessidade de recorrer à Justiça. O caso foi possível graças à Lei de Identidade de Gênero sancionada em 2012 na Argentina, considerada um marco mundial no reconhecimento dos direitos das pessoas trans.

Uma infância de desafios e resiliência

Luana e seu irmão gêmeo, Elías. (Foto: Arquivo Pessoal)

Gabriela Mansilla deu à luz gêmeos em 2007, ambos designados como meninos. Porém, desde muito cedo, um dos filhos começou a expressar sua identidade feminina. “Minhas lembranças não são tão agradáveis, porque Luana sofreu muito. Ela chorava incessantemente, tinha dificuldades para dormir e até se autolesionava antes de conseguir colocar em palavras o que sentia”, conta Gabriela.

O turning point veio quando Luana declarou: “Meu nome é Luana”. Gabriela decidiu ouvir a filha e acolhê-la, abandonando as tentativas de reafirmar a masculinidade da criança por meio de consultas médicas e terapias.

Entretanto, os desafios persistiram. Na escola, por exemplo, Luana foi obrigada a se fantasiar de macaco numa peça teatral, enquanto as meninas vestiam trajes de bailarina. “Ela me disse: ‘Mãe, sou bailarina porque sou menina’. Nunca a vi tão feliz quanto no dia em que, em casa, trocou a fantasia de macaco pela de bailarina”, recorda a mãe.

Além disso, a ausência de documentos que refletissem sua identidade de gênero dificultava atendimentos médicos. “O que eu precisava como mãe era que Luana tivesse um documento para ser atendida e não morrer sem oxigênio numa crise de asma”, relata Gabriela.

O reconhecimento no documento oficial

“O amor que sinto pela minha filha foi a única coisa que salvou essa história, porque deixei de ouvir todo mundo e passei a ouvi-la”, diz Gabriela Mansilla. (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 2013, Gabriela iniciou uma campanha para garantir que Luana pudesse ter seu nome e gênero reconhecidos no DNI. Apesar da resistência inicial, principalmente devido à idade da criança, Gabriela persistiu e contou com o apoio de ativistas trans, como Diana Sacayan, pioneira no movimento argentino.

Após um ano de ativismo, veio a conquista. Em outubro de 2013, Gabriela recebeu a ligação confirmando que a certidão de nascimento de Luana seria alterada e que o novo DNI estaria disponível. “Mais do que uma vitória pessoal, foi uma batalha cultural pelos direitos das crianças trans”, reflete Gabriela, que fundou a associação civil Infancias Libres e escreveu o livro Yo nena, yo princesa, adaptado ao cinema em 2021.

Impacto e legado

Desde a entrada em vigor da Lei de Identidade de Gênero, mais de 16 mil pessoas mudaram de gênero nos registros na Argentina, incluindo mais de 1,5 mil menores de idade. “Essa era a vontade da Luana. Eu apenas a acompanhei. É uma luta que minha filha venceu”, diz Gabriela.

A história de Luana é um marco na luta por direitos e inclusão, inspirando famílias e ativistas ao redor do mundo. A batalha de Gabriela e Luana não apenas garantiu o reconhecimento de uma identidade, mas também lançou luz sobre a importância de ouvir, acolher e respeitar as crianças em sua diversidade.

*Este texto é baseado no episódio “Luana Mansilla: Mudando de gênero aos seis anos”, do podcast Witness History do Serviço Mundial da BBC.

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