Educação

Ministro da Educação diz que pessoas LGBTQIA+ vêm de ‘famílias desajustadas’

Milton Ribeiro afirmou, em entrevista ao jornal 'O Estado de S. Paulo', que discussões sobre gênero não deveriam ocorrer na escola.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, em seu gabinete na sede da pasta, em Brasília, durante entrevista. (Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO)
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, em seu gabinete na sede da pasta, em Brasília, durante entrevista. (Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO)

Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, publicada nesta quinta-feira (24), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou ser contra a discussão de questões de gênero em ambiente escolar, disse não concordar com direitos LGBT e ver “com reservas” a presença de um professor trans em sala de aula.

Questionado sobre a importância da educação sexual na sala de aula, Ribeiro disse que é importante mostrar “que há tolerância”, mas que “o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo [termo considerado preconceituoso]” vêm, algumas vezes, de “famílias desajustadas”.

A palavra “homossexualismo” remete a “doença” por causa do sufixo -ismo. Desde 1973, a Associação Americana de Psiquiatria (APA, sigla em inglês) retirou homossexualidade (termo correto para a orientação sexual) da lista de doenças. Depois, o órgão foi seguido por uma série de entidades de saúde. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) seguiu as observações dos pesquisadores. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia também adota essa visão.

Para entidades ligadas à defesa da educação e aos direitos LGBTQIA+, o ministro está “equivocado” e com um discurso preconceituoso.

Milton Ribeiro disse que as escolas “perdem tempo” falando de “ideologia” e ensinando sobre sexo, sobre “como colocar uma camisinha”. Segundo ele, a abordagem pode favorecer uma “erotização das crianças”.

Para o ministro, discussões sobre gênero não deveriam ocorrer na escola.

“Quando o menino tiver 17, 18 anos, vai ter condição de optar. E não é normal. A biologia diz que não é normal a questão de gênero. A opção que você tem como adulto de ser homossexual, eu respeito, mas não concordo”, afirmou.

“É claro que é importante mostrar que há tolerância, mas normalizar isso, e achar que está tudo certo, é uma questão de opinião”, disse. “Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) têm um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípios”.

Professores trans, na opinião do ministro da Educação, não podem incentivar os alunos “a andarem por esse caminho. Tenho certas reservas”.

Repercussão

Vitor de Angelo, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), diz que o ministro Milton Ribeiro traz à tona a discussão sobre valores morais na educação. “É ruim porque reacende o debate de assuntos que podem ter importância para grupos específicos, mas não são as grandes questões e os grandes desafios da educação brasileira. Quanto mais a gente caminha para este lado, mais a gente se afasta de grandes desafios fundamentais para o país.”

Eduardo Luiz Barbosa, coordenador-geral do Centro de Referência e Defesa da Diversidade, ONG em defesa dos direitos LGBTQIA+ de São Paulo, afirma que há “desinformação” do ministro Milton Ribeiro sobre o tema e terminologias. O ministro usa a palavra “homossexualismo”, por exemplo, que vincula a homossexualidade à doença devido ao sufixo “ismo”, o que já é amplamente conhecido como falso.

Professor da rede pública há 34 anos e gay, Barbosa conta que a escola deve ser um espaço de acolhimento para todas as crianças, para evitar bullying, abandono e evasão. “Escola é espaço de diálogo e de escuta, onde essas questões da juventude, principalmente em relação à sua sexualidade, têm que estar presente. Isso interfere em processo de permanência da escola, em um melhor aproveitamento de conteúdo educacional. Se não tiver escuta desvinculada de qualquer dogma, preconceito e discriminação, você corre o risco de estar falando vazio, ao vento, preconizando coisas que de fato não vão fazer sentido”, afirma Barbosa.

“Antes de mais nada, o representante do MEC precisava ser alguém melhor qualificado para entender que, além das suas posições, existe todo um país para ser orientado com espírito colaborativo, tanto do MEC quanto das secretarias municipais e estaduais de Educação para que essas crianças não sofram mais violência que já sofrem no cotidiano”, defende.

Erika Hilton, ativista dos direitos LGBTQIA+, diz que o ministro, ao associar a homossexualidade a problemas familiares, coloca a comunidade como “cidadãos de segunda classe” que precisam se adequar “às normas cis-hétero”.

Para ela, o ministro se equivoca mais uma vez ao dizer que a homossexualidade é uma “opção”.

“Que pessoa optaria por escolher, de livre e espontânea vontade, entrar em um segmento social que é completamente negado de direitos, afastado do seio familiar, mal tratado, executado, apedrejado? O Brasil é o país que mais mata LGBT. Nenhuma pessoa optaria por fazer parte disso. Se trata de uma condição humana que só conseguiremos tirar das margens da sociedade quando ministros e governantes começarem a entender que essas pessoas fazem parte do grupo social e que a educação precisa ter um papel humanizador, incluir e não afastar e discriminar”, afirma.

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