Por Angela Chagas
Do Gay1 DF
Foto: Mariana Costa/UnB Agência
Marcelo Caetano conseguiu direito de usar nome que escolheu em documentos internos da UnB mas espera regulamentação.
Após enfrentar constrangimentos na biblioteca, no restaurante universitário e até em sala de aula, Marcelo Caetano, 23 anos, decidiu entrar com um pedido, em 2012, para que a Universidade de Brasília (UnB) reconhecesse o seu nome social. Transexual há três anos, ele trocou o cabelo comprido pelo visual masculino e não quer ser mais conhecido pelo nome feminino que aparece na carteira de identidade. No Dia Internacional de Luta Contra a Homofobia, ele organizou um protesto na universidade – marcado para começar ao meio-dia desta sexta – como forma de pressionar o reitor a normatizar o nome social.
“Os professores, de maneira geral, se recusam a me chamar de Marcelo. Na biblioteca e no RU, já fui barrado porque os funcionários olham para o nome da carteirinha e dizem que não sou eu”, conta o estudante do quarto semestre de ciência política. Cansado dessa situação, ele procurou a direção da universidade e pediu que a identificação do RG seja substituída pelo nome escolhido quando passou a se reconhecer como homem. A UnB aceitou o pedido e anunciou em setembro do ano passado que todas e todos os alunos transexuais poderiam adotar o nome social, mas passado todo esse tempo a norma ainda não entrou em vigor.
“A única resposta que me dão é que o pedido já foi encaminhado ao setor de processamento de dados, para fazer a troca de registro em todos os documentos da UnB. Mas até agora nada”, lamenta o estudante, ao criticar o descaso da universidade com o tema. Ele diz que várias outras instituições – como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) – permitem que seus alunos sejam reconhecidos pelo nome social, mas que em Brasília a resistência ainda é grande.
Coordenador do Grupo de Trabalho contra a Homofobia da UnB, o professor José Zuchiwschi culpa a burocracia pela demora na troca de identificação de alunas e alunos transexuais, mas diz que a universidade está comprometida em evitar a discriminação da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Ameaças na universidade
Marcelo Caetano conta que aprendeu a lidar desde cedo com o preconceito. Negro e de família nordestina, ele sofria com as brincadeiras na escola desde pequeno. “Eu sabia que era diferente das outras crianças, mas não sei dizer se o preconceito era por causa da orientação sexual, ou por ser negro e nordestino. Tudo sempre se misturou, é uma discriminação tripla”, conta. Ao terminar o ensino médio em Santos (SP), ele foi aprovado direito na Universidade Federal do Paraná (PR), em Curitiba. Foi lá que decidiu assumir a nova identidade.
Os cabelos longos foram cortados e os amigos ajudaram a escolher o novo nome. “Na UFPR o nome social já era institucionalizado, então foi bem tranquilo. Claro que algumas pessoas comentavam, eu percebia isso, mas não eram próximas a mim, então não me preocupei. Meus amigos sempre me apoiaram”, conta. Já na relação familiar a aceitação foi mais difícil, mas Marcelo prefere não entrar em detalhes.
Como não gostou do curso de direito, ele fez vestibular para a UnB e, com a aprovação, mudou-se para Brasília. A adaptação na universidade foi tranquila, mas a resistência à adoção do nome social incomoda. “Na UFPR eu passei por todo o processo de transformação, algumas pessoas acharam estranho me ver como homem. Mas na UnB eu já cheguei da forma como sou hoje, então nesse ponto foi mais tranquilo. Mas ainda enfrento muito preconceito”, afirma.
Marcelo conta que já sofreu várias ameaças de outros alunos, mas nunca chegou a ser agredido fisicamente. “São várias acusações verbais, como ‘vou te ensinar a ser homem’ ou ‘vou te pegar veadinho'”. Para ele, o que acontece dentro da universidade é reflexo do preconceito que ainda existe na sociedade. “Sou parado com frequência nas ruas de Brasília pela polícia. Eu sou negro, os policiais me veem com desconfiança. E quando olham meus documentos, a situação se agrava ainda mais porque percebem meu nome de mulher. Não sou só transexual, sou uma série de vetores que se unem.”
Grupo de trabalho tenta coibir homofobia na universidade
Criado em 2011, o Grupo de Trabalho de Combate à Homofobia da UnB já precisou lidar com diversos casos de agressão a estudantes LGBT – como a de uma menina que foi agredida em fevereiro deste ano no estacionamento da instituição. No curso de direito, pichações com punho homofóbico precisaram ser removidas diversas vezes. Para o professor José Zuchiwschi, o grupo de trabalho tenta coibir esses atos de violência de forma pedagógica – sem atitude repressora.
“Não queremos ser policialescos, mas trabalhar de forma didática para que as pessoas entendam a multiplicidade que ocorre aqui dentro”, afirma. Segundo ele, entre as principais iniciativas está “garantir que os currículos de cada curso englobem a discussão sobre a diversidade e os direitos humanos”, conta, apesar de confirmar que existem muitas resistências. “Assim como na sociedade, precisamos romper com várias barreiras”, complementa.
Na recepção aos calouros no começo deste ano, foram disponibilizados diversos materiais educativos para tentar evitar o preconceito com os alunos LGBT. Um disque-denúncia também deve ser criado este ano para que os estudantes possam denunciar agressões físicas e verbais. Sobre os atos de violência registrados na universidade nos últimos anos, ele diz que representam uma tentativa de calar o movimento LGBT por meio de ameaças. “Quanto maior a nossa visibilidade, maior a ação dos grupos contrários, que querem que a gente fique no armário. Mas isso não nos impede de continuar na nossa militância para que os direitos sejam respeitados”, completa.
Vice-presidente da Associação Brasileira de Homens Trans, Marcelo Caetano acredita na força política para lutar pela igualdade. “A associação foi o espaço que eu encontrei para travar essa batalha contra o preconceito”, conta o estudante.