Boicotes fazem eleitores da Carolina do Norte repensarem lei contra transexuais
Em High Point, Carolina do Norte (EUA)
Foto: Ray Whitehouse/The New York Times
Ativistas LGBT protestam contra lei que é um retrocesso nos direitos humanos.
Parrish Clodfelter, um aposentado de 79 anos que vive em uma fazenda na região central da Carolina do Sul, expressa seu preconceito sobre pessoas trans que poderiam provocar sua demissão em uma empresa multinacional, apesar de que para muitos aqui, sua opiniões constituem uma sabedoria simples do campo.
“Se um homem quer virar mulher, ele tem um problema mental”, disse Clodfelter na quarta-feira, durante um almoço no Spiro’s Family Restaurant, onde cartazes na porta anunciavam aulas de porte de armas escondidas e um culto “Domingo Caipira” na igreja pentecostal.
Mas Clodfelter enfrenta um tipo diferente de problema. Um republicano de longa data, ele quer apoiar Pat McCrory, o governador republicano da Carolina do Norte, em sua tentativa de reeleição. Ao mesmo tempo, ele está preocupado com os boicotes e empregos perdidos provocados pela lei sancionada pelo governador em março, que proíbe o acesso de pessoas trans aos banheiros de acordo com seu gênero e elimina as proteções antidiscriminação para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Se a reação continuar, disse Clodfelter, ele considerará votar no adversário democrata de McCrory, Roy Cooper, que apoia a derrubada da lei. “Temo que se não a mudarem, ela prejudicará o Estado”, ele disse.
Antes mesmo de a lei ganhar destaque no debate nacional sobre os direitos LGBT, correção política e privacidade, a Carolina do Norte, um raro Estado sulista dividido igualmente entre liberais e conservadores, era considerada indefinida na disputa presidencial de novembro, particularmente se Donald Trump conquistar a indicação para encabeçar a chapa republicana.
Agora a lei, e a reação contra ela, introduziu um tipo diferente de energia volátil na política estadual daqui, influenciando na eleição ao governo estadual que pode ser a mais disputada do país. Também está afetando outras disputas cruciais, incluindo a do senador Richard Burr, que espera superar a forte adversária democrata Deborah K. Ross, uma ex-deputada estadual e ex-diretora estadual da União Americana pelas Liberdades Civis.
Na semana passada, Burr, que defendeu a lei, foi atacado pelos democratas que não perderam a chance de transformar uma questão cultural em uma econômica, já que o Estado vem sofrendo com a retirada de empresas que protestam contra a lei, incluindo o PayPal, que cancelou seu plano de trazer mais de 400 empregos a Charlotte. Na quinta-feira, o Comissário da NBA (a liga americana de basquete), Adam Silver, disse que a liga vai transferir seu All-Star Game (o jogo das estrelas) de 2017 de Charlotte se a lei não for mudada.
Até o momento, o rebuliço está causando mais mal a McCrory, um afável ex-prefeito de Charlotte que tem tido dificuldade, desde que assumiu como governador em 2013, em manter sua reputação como moderado diante de um Legislativo dominado pelos republicanos, que é consideravelmente mais conservador do que ele. Uma pesquisa realizada pela Universidade Elon entre 10 e 15 de abril mostrou Cooper, o procurador-geral de longa data do Estado, à frente de McCrory, 48% contra 42%, nas intenções de voto dos eleitores registrados. Foi a maior vantagem de Cooper nas cinco pesquisas realizadas pela Elon nos últimos 12 meses.
Mas novembro ainda está longe e questões sociais reverberam de formas complexas em um Estado com reputação de moderado, mas que também produziu Jesse Helms, o senador federal arquiconservador.
Carter Wrenn, um estrategista político veterano que trabalhou com Helms, disse que ultimamente os democratas estão vencendo nas discussões a respeito da lei. Mas ele disse que os republicanos terão tempo para defender sua posição junto aos eleitores de que a lei ajuda a assegurar privacidade e segurança em sanitários públicos. “Não sabemos ao certo como tudo isso vai se desdobrar”, disse Wrenn.
A questão é particularmente incômoda para McCrory. Pesquisas de boca de urna de 2012 mostram que ele obteve apoio de 49% dos eleitores que se descreviam como moderados e 19% dos que se descreviam como liberais.
Na semana passada, McCrory, 59 anos, mal conseguia conter sua irritação com o fato de a lei ter se transformado em um tema central da eleição, desviando a atenção de sua mensagem principal: a de que tem sido um condutor sábio da economia, que conseguiu promover o que ele e sua equipe rotularam como “Recuperação da Carolina”.
Segundo ele, o vespeiro não foi chutado por ele, mas pela Câmara Municipal democrata de Charlotte, que aprovou uma portaria antidiscriminação em fevereiro, permitindo às pessoas trans o uso de banheiro de acordo com seu gênero. Antes de sua aprovação, ele disse, ele enviou um e-mail à Câmara alertando que se ela mudasse as “normas básicas para banheiros e vestiários”, ele seria forçado a apoiar uma lei estadual as anulando.
McCrory preferiria falar sobre a melhora da economia do Estado desde que assumiu no lugar da ex-governadora democrata, Beverly Perdue. Ela se recusou a tentar a reeleição após um único mandato no qual a Carolina do Norte enfrentou uma recessão e no qual ela entrou em choque com o Legislativo, que passou a ser controlado pelos republicanos em 2010, em torno da política tributária. A recuperação do Estado, segundo McCrory, foi obtida por meio de sua capacidade de implantar uma redução de impostos de US$ 4,4 bilhões, incluindo o que sua campanha descreve como “uma das maiores reduções de impostos na história do Estado”.
“Eu herdei um governo falido e uma economia falida”, ele disse. “Tínhamos a quinta maior taxa de desemprego do país quando tomei posse: 9,4%. E tivemos uma das maiores recuperações nos Estados Unidos da América.” O desemprego no Estado agora é de 5,5%.
Em um café em Raleigh na semana passada, Cooper, que serve como procurador-geral desde 2001, argumentou que a recuperação da Carolina é um mito, dizendo que ocorreu “uma melhoria geral da economia em todo o país”.
“Não há uma recuperação da Carolina para o trabalhador comum”, ele disse. “A maioria das pessoas está trabalhando mais arduamente, por mais horas, e ganhando menos do que antes da recessão.”