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Cássia Eller com a companheira Maria Eugênia e seu filho do casal, Chicão.
Com os olhos marejados e perceptivelmente nervosa, Cássia Eller olha para a câmera, faz sinal de positivo e sorri. Conhecida por uma postura explosiva no palco, a cantora, naquele momento, aguardava para dar à luz Francisco Eller, o Chicão, único filho dela.
A cena, íntima e tocante, faz parte do documentário Cássia, do diretor Paulo Henrique Fontenelle. Intercalando fotos, vídeos inéditos e entrevistas com artistas, amigos e familiares, a obra é uma viagem profunda ao universo da cantora, morta em 2001, aos 39 anos.
Contudo, o assunto de maior importância é a disputa judicial que envolveu a guarda de Chicão. Mesmo que sem intenção, o Cássia teve grande importância em um dos maiores avanços na questão dos direitos civis para famílias brasileiras formadas por casais do mesmo sexo. Após a morte da filha e à revelia do resto da família, o pai de Cássia, Altair Eller, tentou obter a guarda do neto na Justiça.
Ao pé da letra da lei, Altair seria, à época, o tutor legal do garoto. Pelo Código Civil e mesmo pelo Estatuto da Criança e do Adolescente a guarda de órfãos (o pai de Chicão, o músico Tavinho Fialho morreu antes de o menino nascer) costuma ser repassada aos avós maternos. Aos olhos da Justiça, portanto, o avô teria preferência na decisão.
Contrariando todas as expectativas e contornando os pontos desfavoráveis – como, por exemplo, a união homossexual não ser reconhecida em lei – o juiz Leonardo Castro Gomes, da 1ª Vara da Infância e Juventude, do Rio de Janeiro, decidiu que Chicão deveria ser criado por Eugênia. Essa foi a primeira vez na história da Justiça brasileira em que a tutela de uma criança foi entregue à companheira da mãe.
Apesar de não carregar bandeiras ou fazer discursos contra a homofobia, Cássia Eller, à maneira dela, teve um papel fundamental no avanço das questões que envolvem os direitos LGBT no país. A decisão da Justiça em deixar a guarda de Chicão com a mulher que esteve ao lado dela durante 14 anos não foi importante apenas do ponto de vista jurídico, mas também despertou debates sobre o tema no Brasil. Não foram os discursos, mas as práticas que a tornaram personagem fundamental. O conceito da “família tradicional”, formada por um homem, uma mulher e os filhos biológicos, passou a ser questionado.
“Ela provocou muitos pensamentos, muitos discursos e muitas reflexões. É uma utilidade que vai além da música. De repente aquela mulher, que era chamada de ‘macho’, que coçava o saco e mostrava os peitos, aparece grávida. Isso mexeu com a cabeça das pessoas e induziu reflexões”, relembra a cantora Zélia Duncan.
Viva Cássia Eller pra sempre!