Identidade de gênero é tema de musical em São Paulo

Adriano Sod
Foto: DivulgaçãoO Elenco reunido (da esquerda para à direita Silvano Vieira “o coelho”, Cícero de Andrade e Davi Novaes “o casal da obra”).

O projeto “O Príncipe desEncantado” aborda temas como homossexualidade, feminismo e identidade de gênero para crianças, adolescentes e toda família. A peça começou sua temporada em São Paulo em 03 de Junho e vai até 30 de Julho no Teatro Viga, bairro de Pinheiros.

A obra narra a história de um jovem príncipe que está destinado continuar sua linhagem se casando com uma princesa que seja “perfeita” na idealização da própria mãe. O príncipe vive a perda do pai que desaparece misteriosamente nas profundezas do mar. A rainha se encarrega de cuidar de seu único filho e casá-lo. A personagem se revela desde o início, como uma matriarca dominadora. O jovem tem a certeza de ser gay e se sente frustrado diante do fato de ter de se casar com uma princesa destinada a ele. O grande conflito do enredo é a busca pelo amor e a possibilidade de ser livre para fazer suas próprias escolhas.

A peça utiliza de linguagem de libras, em alguns momentos, simultaneamente com a atuação e os passos demarcados dos atores. Há pouco cenário, o que possibilita a utilizar mais da imaginação e ousar no lúdico recorrendo à luz e sonoplastia. A banda musical que faz a trilha sonora está presente o tempo todo no palco. A linguagem é moderna e insere várias referências às redes sociais, como instagram, Facebook e Whatsapp.

Os atores cantam e interpretam, são todos adultos. Há muita criatividade, como a dublagem de vozes de personagens em palco e músicas inéditas que são cantadas em português. A interação com o público acontece durante vários momentos. A seleção de canções inclui Tim Maia, Xuxa, Chitãozinho & Xororó, dentre outros. O que traz um tom cômico a respeito de questões supostamente sérias.

O texto tem um bom tempo para as piadas e uma reviravolta que demonstra que nada é o que parece ser. E como em um bom conto de fadas, o final feliz sempre prevalece no coração daqueles que acreditam.

Foto: ReproduçãoO cartaz da peça.

A seguir, uma entrevista exclusiva com o diretor da peça Rodrigo Alfer, para a equipe do Menino Gay:

De onde partiu a ideia original do texto da peça?

Em 2004, eu nao sei como, mas chegou até a mim o livro chamado King and King (Linda de Haan e Stern Nijland, 2002, Tricycle Press), um livro holandês. Logo quando eu li, eu falei: “meu, isso aí dá uma peça”. Na época, eu ainda era ator. Eu acho que as coisas acontecem quando têm que acontecer. Isso ficou “batendo”, “eu vou montar O Príncipe desEncantado”. Foi uma livre adaptação. O livro é para criança de 5 a 7 anos. A partir disso, a gente construiu tudo, colocou várias outras questões, como identidade de gênero, que eu acho que é uma coisa muito em voga que precisa ser falado para as crianças e adolescentes. Então, a gente pegou e transformou tudo isso no “O Príncipe desEncantado”.

Foto: DivulgaçãoO diretor e autor Rodrigo Alfer.

E qual é o propósito?

O que a gente deseja é que essa seja mais uma história de amor, a gente não deseja catequizar nenhuma criança. Apenas que daqui alguns anos, essa história seja apenas mais uma história, como a da Rapunzel que casou com o seu príncipe, eu acho que a gente também tem o direito de ter um príncipe que casou com outro príncipe. E contar o nosso conto de fadas. Então, esse é o maior objetivo. Trazer para o teatro, contemplar outras famílias. A gente só assiste teatro com histórias heteronormativas. Agora, tem um príncipe que também casa com outro príncipe. Uma princesa pode casar com outra princesa.

É a segunda apresentação, o que você sente do público até agora?

A resposta do público é a mais generosa possível. Eu acho que no final, quando a gente ouve os aplausos – eu fico ali na cabine – eu vejo as pessoas chorando, se emocionando, torcendo pelo príncipe, como acontece mesmo nas histórias de conto de fadas. É muito gratificante, porque a gente batalhou muito por esse espetáculo. Ele é feito com muito carinho e com muito amor. É como uma jóia preciosa. Os atores estão cheios de amor, querendo transmitir para as outras pessoas. A gente transmite e a plateia volta isso. Transformando num ciclo de muito amor, se tivesse cor isso… olha… – ele solta uma gargalhada.

Quais foram os preconceitos e desafios em relação a isso?

Não teve nenhuma ajuda financeira. Eu costumo dizer, já é difícil fazer teatro, mais difícil fazer teatro infantil, infantojuvenil que abarque e que fale de homossexualidade e identidade de gênero. Por exemplo, a gente pediu um patrocínio para uma empresa que empresta roupas, para todas as pessoas. Então, eu disse: “Podem emprestar uma roupa pra a gente?”, “A gente precisa de um vestido.”, “Ah, claro me fala quem é…”. Enfim, eles deixaram a gente no vácuo. Ela falou assim: “Olha, nenhuma empresa se interessou em emprestar roupa para vocês.”. A gente pediu um vestido. – ele enfatiza – Eu acho que isso resume tudo. É muito complicado, a gente vive em São Paulo, talvez numa bolha, a gente acha que as coisas estão muito mais coloridas, mas não estão. Tem muita coisa para fazer. Se essas pessoas tivessem tido um “príncipe desEncantado” e outras formas de serem inseridas nessa coisa do não preconceito, eu acho que tudo isso seria diferente.

Foto: Divulgação“Se essas pessoas tivessem tido um ‘príncipe desEncantado’ e outras formas de serem inseridas nessa coisa do não preconceito, eu acho que tudo isso seria diferente.”

Preparação vocal do atores, eles são atores que se descobriram cantores, ou cantores e atores?

Todos eles já possuem uma preparação. O Brasil, eu acho que é o terceiro maior país que produz musical no mundo. A gente só perde para os Estados Unidos e Londres – ele menciona a a capital da Inglaterra. – Eu acho que é uma coisa que está fervilhando, a gente já tem toda parte técnica, mas não tem peças brasileiras. Escrita para musical, como é “O Príncipe desEncantado”. Exceto um pout- porri , que eu não vou contar porque vai perder a graça, todas as músicas são inéditas, brasileiras. E agora, também está na hora de dar valor para os dramaturgos. Eu fiz questão que todos os atores, fossem primeiro atores. Ator é o substantivo, cantar é uma qualidade. A Maite Schneider (ele menciona a atriz mulher trans do espetáculo), ela é uma atriz, ativista, ela nunca tinha cantado na vida. A piada era: “Quando eu canto no chuveiro, a água desvia de mim”, é o que a Maite dizia. – ele ri comentando a brincadeira.
A gente teve um trabalho maravilhoso com o Ettore Ruggiero, meu parceiro, meu amigo, um maestro incrível que fez um trabalho magistral com esses meninos. A gente trabalhou muito para equilibrar o ator com o cantor.

A peça mostra uma mãe bastante dominadora em relação ao filho. Você acredita que esse é um problema muito maior, do que o próprio preconceito com a homossexualidade? Os pais não deixarem que seus filhos sejam livres.

A gente resumiu muito. Você vê jovens se matando, fugindo de casa, sendo expulsos, por causa de religião. Na nossa bolha, – ele se refere às grandes cidades como São Paulo – a coisa ainda é melhor. Mas no interior do Brasil e em outros lugares, a coisa ainda é muito difícil para muitas pessoas. Vamos falar de um preconceito, o negro sofre preconceito fora de casa, mas quando ele volta para casa, ele é acolhido pelos pais, o pai é negro e a mãe é negra. Eles passaram por aquilo. Agora, uma mulher trans, um homem trans, o gay, tomam paulada na rua, na escola e chegam em casa e tomam paulada também. É um problema que a gente sonha que um dia isso acabe.

Uma última pergunta, qual o seu conto de fada favorito? E por quê?

(Ele fica desconcertado para falar e pensa um pouco) Nossa, quando eu era criança, minha mãe é educadora, então a minha mãe sempre me deu vários livros.

Aliás, você gosta de contos de fada?

Ah, eu adoro. – ele solta uma gargalhada bem alta. Na peça, existem várias referências de vários contos de fada. Eu não sei qual eu mais gosto, mas eu tinha muito medo de “João e Maria”, eu morria de medo daquela bruxa.

Áudio exclusivo com Maite Schneider, atriz trans que conversou exclusivamente com o Menino Gay para contar sua experiência na peça.

Foto: DivulgaçãoMaite Schneider atriz trans que traz sensibilidade com o olhar e atuação em cena.

Serviço

“O Príncipe desEncantado”
Rua Capote Valente, 1323 – Pinheiros – São Paulo – SP, 05409003 (11) 38011843
Sábado e domingo, às 15 horas.
Preço: 50,00

*Escrito por: Adriano Sod – Redator e Repórter no Menino Gay (Blogueiro em Tudo Sobre Eles).

© Portal Gay1
Sair da versão mobile