Todos esses ataques violentos aconteceram desde o dia 30 de setembro, em meio ao acirramento da violência eleitoral. Um levantamento inédito realizado pela Pública em parceria com a Open Knowledge Brasil revela que houve pelo menos 70 ataques nos últimos 10 dias no país, maioria contra a população LGBT.
Essas agressões foram feitas por apoiadores de Jair Bolsonaro, candidato do PSL que está à frente nas pesquisas eleitorais.
Isso mostra que as declarações de Bolsonaro que incitam o ódio e a violência contra LGBTs, negros, mulheres, nordestinos e índios e a violência policial estão ecoando país afora e se transformaram em agressões físicas e verbais nestas eleições.
O levantamento inédito mostra como as situações de violência se espalham pelo país inteiro e não podem mais ser vistas isoladamente.
Indagado sobre as ações de seus apoiadores, Bolsonaro tentou minimizar a onda de violência política. “Eu lamento. Peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam”, disse Bolsonaro ao site Uol. “Está um clima acirrado, pela disputa, mas são casos isolados que a gente lamenta e espera que não ocorram”, afirmou.
Bolsonaro foi vítima de um ataque a faca em 6 de setembro que o deixou em estado grave, enquanto fazia campanha em Minas Gerais. O agressor, Adélio Bispo de Oliveira, confessou o crime e está preso.
Entre os casos contabilizados pela reportagem da Pública, 14 aconteceram na região Sul, 32 na região Sudeste, 18 na região Nordeste, 3 na região Centro-Oeste e 3 na região Norte.
Embora tenha havido também dezenas de casos de ameaças pelas redes sociais, o levantamento incluiu apenas casos de agressões e ameaças feitas ao vivo. Nesses episódios, a integridade física de pessoas ficou em risco por causa do ódio ligado à disputa eleitoral.
A partir de hoje, a organização Open Knowledge Brasil e a Brasil.io, em parceria com a Pública, vão recolher e monitorar casos de agressões ligadas às eleições de 2018. Os casos serão publicados no site Vítimas da Intolerância. Se você tem uma denúncia, envie pelo site.
Ataques LGBTfóbicos
Segundo apurou a reportagem da Pública, a maioria dos crimes foram direcionados à comunidade LGBT na região Sudeste. São casos em que a LGBTfobia se mistura ao ódio eleitoral.
Para a jovem transexual de Belo Horizonte Guilderth Andrade, conhecida como Guil, a única palavra que vale para descrever o momento atual é medo. “Medo. É a única coisa que consigo definir no momento”, afirmou a cabeleireira Guil, de 21 anos.
Era quase meio-dia, ela estava na praça da Estação no ultimo sábado, dia de outubro, no centro da capital mineira, parada no ponto de ônibus. Na praça acontecia uma manifestação pró-Bolsonaro e um rapaz colou um adesivo do candidato em seu peito.
“Eu falei: ‘Não quero votar nele, você tem que ter respeito’, e tirei o adesivo.” De repente, sentiu um “tapão” nas costas. O rapaz havia colado outro adesivo. “Eu o arranquei novamente.” O homem deu então uma rasteira na jovem. “Eu caí, a bota dele cortou meu tornozelo. Se eu tentasse levantar, ele ia continuar me agredindo”, afirmou Guil.
A única pessoa que a ajudou foi um homem que também estava no ponto de ônibus. “As pessoas que estavam na manifestação não fizeram nada”, lamentou. Guil disse que não fez BO por medo. “Fiquei com medo de falar”, justificou. “A situação está muito extrema, não que não era difícil, mas está ficando pior”, acrescentou.
Guil afirmou que está cada vez com mais temor de sair de casa, pois tem escutado muitos relatos parecidos com o seu, de amigos LGBTs. “A gente vai ficando acuado, trancado em casa, não estou conseguindo trabalhar. Eu quero poder existir sem ser questionada e pressionada o tempo todo”, exclamou.
Amiga de Guil, Isabela – ela pediu para não usarmos seu nome real por medo de sofrer represálias –, de 25 anos, também é transexual e foi atacada em Belo Horizonte por quatro homens vestidos com camisetas em apoio à Jair Bolsonaro, depois de ter saído de uma festa, no dia 30 de setembro.
“Eles me puxaram para dentro do carro pela janela. Os dois de trás sentaram em cima de mim e deram muitos socos no meu rosto, jogaram cigarro aceso e ainda cuspiram”, contou. Segundo ela, um deles estava armado. “Durante todo o tempo, eu escutei: ‘Se ele ganhar, vamos poder caçar mais macacos. Traveco. Não vamos te matar agora porque você ainda pode ter jeito, mas, se não tomar, você vai morrer de aids’.”
Depois dessa tortura, eles a mandaram descer sem olhar para trás, ameaçando atirar. “Meu amigo insistiu muito para que eu denunciasse à polícia, e a tentativa foi um total desastre. Todo o processo mais parecia uma tentativa de me incriminar de algo do que a solução de um crime cometido contra mim, a vítima”, relatou.
Em Niterói, um prédio na região sul foi atacado durante a comemoração da vitória de Carlos Jordy (PSL) a deputado federal.
Salomão Moutinho assistia à apuração dos votos no apartamento de uma amiga. “Estava uma gritaria entre todos os prédios, assim como em toda a cidade, de uma pessoas falando ‘ele não’, outras falando do Bolsonaro.”
Mas a rixa, que no início parecia inofensiva, mudou de dimensão quando Salomão e os amigos resolveram sair de casa. “Quando a gente desceu e pisou na portaria, tinha tipo umas 30 pessoas apontando pra gente”, relata. “Eram uns 30 caras ou mais, todos com a camisa do Bolsonaro e a gente não conseguia sair.’’
Logo depois, começaram os ataques – em especial, xingamentos homofóbicos. “Também falaram para as minhas amigas rasparem o sovaco delas, começaram a gritar várias coisas, que o comunismo vai acabar, queriam que voltasse a ditadura, e uma das amigas começou a gritar que eles não sabiam o que era ditadura e que eles estavam sendo agressivos.”
Depois das ofensas, o grupo entrou no prédio, assustado. Ali, decidiu arrancar a bandeira LGBT da porta do apartamento e ficou um tempo com as luzes apagadas e em silêncio porque não sabiam se os agressores estariam dentro do prédio. Salomão diz que ligou para polícia, mas a polícia não chegou. O grupo de apoiadores do do candidato homofóbico ficou um tempo na frente do prédio, mas depois saiu.
“Desde o início da campanha, cada vez mais que eu vou na rua, vejo mais ataques, carro buzinando. Isso tudo era muito comum há sete anos, mas agora está voltando”, conta Salomão. “A gente está buscando sair sempre em grupo, não ficar na rua à noite. Está ficando uma relação muito ruim”’, desabafa.
Juliana Garcia estava no Bar do Zeca, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, na sexta-feira passada, dia 5 de outubro, com a namorada. Na camisa, trazia os adesivos “Ele não” e “O filho dele também não”. Quando levantou para ir ao banheiro, dois homens foram atrás. “Começaram a falar: ‘Você está totalmente equivocada, vai defender bandido, só Bolsonaro salva esse país’.”
Juliana disse que tentou argumentar, mas mesmo assim um dos homens continuou em um tom agressivo. “Teve um momento em que ele fez o movimento das armas com as duas mãos apontadas para o meu rosto. Aí eu não tive reação, o outro homem do lado começou a rir. Saímos correndo do bar.” Ela admite ter medo de voltar ao bar e andar por Caxias.
O estudante Gabriel Garcia foi agredido por dois homens enquanto caminhava pela rua, perto de sua casa, no bairro do Ipiranga, em São Paulo: “Aqui é Bolsonaro, caralho. A gente vai acabar com os viados do Brasil”, gritou um dos homens, direcionando a fala para ele. E o outro complementou: “É só eleger que vamos acertar lâmpada nessas porras”.
“Infelizmente, tive que baixar a cabeça e seguir caminho com uma vontade imensa de retrucar sabendo já de antemão que iria terminar apanhando feio e que não teria nenhum efeito”, relatou Gabriel.
Temendo reações de transfobia, Barbosa, que é cantora e já atuou no grupo de Furacão 2000, costuma andar mais pela manhã. Por isso, voltava para casa na manhã de sábado quando passou por uma passarela em cima da Dutra, rodovia que liga Rio de Janeiro a São Paulo, na região da Baixada Fluminense.
Quando passaria pela passarela, começou a ser ofendida com gritos transfóbicos. “Antes de eu chegar na passarela, começaram a gritar ‘viado’, ‘lixo’, ‘tem que matar esse lixo’, ‘tomara que o Bolsonaro ganhe para matar esse lixo’. Aí começaram a falar de doença, ligado a AIDS, e acho que isso é pegar pesado então reagi: disse: ‘Fala na minha cara.’ Um dos caras pegou uma daquelas barras de ferro de segurar barraca e bateu na minha cabeça. Cai ao lado da Dutra. ‘Tontiei’ e estou cheio de marcas. Botei a mão no pescoço e vi que estava cheio de sangue”, contou.
*Com informações da Agência Pública