A cerimônia foi montada inteiramente por voluntários que realizaram um mutirão para fornecer itens como bolo, música e fotografia. A rede de solidariedade se formou após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) e do medo de alguns casais do mesmo sexo de perderem direitos após a posse do presidente eleito e de uma bancada mais conservadora do Congresso.
Um dos casais que decidiram antecipar a união perante a lei foi a técnica judiciária Júlia Hipólito e a arquiteta Camila Dantas. Elas se conheceram em setembro e aproveitaram a cerimônia conjunta para celebrar o amor que, mesmo recente, já é tão sólido.
Elas celebraram o fato de estar casando na mesma cerimônia que outros dois casais de amigos. Também ressaltaram a importância de poder formar o que chamam de “rede de resistência”.
“Pensávamos em casar em julho, até a ameaça política que assolou o Brasil. Jamais imaginávamos que a cerimônia tomaria uma proporção tão grande, o que dirá com festa e tudo. Foi muito bom saber que, em meio a tanta energia ruim, surgiu uma corrente do bem. Isso aqui é um ato político e eu não me sentiria bem em não participar”, explica Júlia.
Dos seis convidados que o gerente Danilo Tomé e o motorista Múcio Buarque levaram ao casamento, a avó Maria de Lourdes, de 90 anos, foi quem mais insistiu em estar presente. Os dois estão juntos desde 2011 e decidiram casar anos antes, mas os percalços da vida provocaram o adiamento.
“Se eu não viesse seria uma desfeita muito grande. Eu adoro Danilo, ele é um menino muito bom, e me sentiria muito triste se não estivesse presente no casamento dele. Agora, ganhei um novo neto”, diz Lourdes.
“Pensávamos que seria algo para quando a gente tivesse estabilidade, uma casa, estrutura. Mas apareceu a oportunidade e ficamos com medo de, no próximo ano, não podermos mais. Sentimos ameaçadas e vimos que isso não era coisa só nossa. Isso fez a gente se unir muito. Ninguém solta a mão de ninguém”, diz a costureira Beatriz Medeiros, que casou com a estudante Ana Gabriella.
O receio de Júlia e Camila foi o mesmo que serviu de incentivo para que Adelmo Andrade e Daniel Lima decidissem participar. Eles adiavam a oficialização por problemas financeiros, mas recorreram à Defensoria Pública, como os outros casais, para conseguir isenção das taxas de habilitação para a cerimônia.
“Nós costumamos dizer que não antecipamos o casamento. Era algo que aconteceria em outras circunstâncias, isso é fato, mas, na verdade, só deixamos de adiar. Tivemos um apoio grande dos nossos familiares e amigos. Teve até briga, porque só podíamos trazer seis convidados. O que importa é celebrar nosso amor rodeado de tanta gente boa”, diz Daniel.
Os casamentos foram celebrados pelo juiz Clicério Bezerra, da 1ª Vara de Família e Registro Civil da Capital. Foi ele quem celebrou, no Recife, o primeiro casamento de pessoas do mesmo sexo do Norte e Nordeste, além do primeiro registro com dupla paternidade, o primeiro caso de multiparentalidade e um caso de paternidade afetiva de um tio em relação a duas sobrinhas.
Apesar de tantos “primeiros casos”, ele afirma que não é ele quem abre as portas da Justiça para as diversas formas de família.
“A gente, na Justiça, só pega a tela e coloca a moldura. Em 2018 faz sete anos do primeiro casamento homoafetivo que celebrei e ser chamado para oficializar a união dessas dezenas de pessoas, em dias de tanta intolerância, é muito importante. Isso aqui é um exercício de cidadania. Queremos que todos se assumam e possam exercer seu direito de cidadãos que são. Família vai muito além dos laços de sangue e dos vínculos jurídicos. Família é afeto”, explica o juiz.
Outro casal que decidiu oficializar a união foi Murilo Araújo e Murilo Carvalho. Assim como fazem com o nome, eles dividem a vida desde 2014. Decidiram casar em 2018 e a cerimônia conjunta facilitou o processo.
“Nem tudo deu certo nos nossos preparativos e resolvemos deixar para o ano que vem. Com a mudança no cenário político, pensamos que poderia não haver a possibilidade no ano que vem. Mas aconteceu da melhor forma. A gente está sempre junto e aqui, por exemplo, não temos familiares, mas apenas amigos. Apesar disso, não “só”, amigos. São muito mais que isso”, disse Murilo Araújo.
Mobilização
O casamento coletivo foi montado pelas Mães pela Diversidade e Espaço Acolher. A Defensoria Pública de Pernambuco realizou um mutirão para emitir ofícios que concedem gratuidade do procedimento nos cartórios.
Os defensores públicos Henrique da Fonte e Renata Gambarra foram alguns dos responsáveis pela ação. Segundo Henrique, desde o resultado das eleições, ao menos 100 casais LGBT procuraram a defensoria para pedir a isenção.
“A mobilização veio a partir da demanda da sociedade civil. Para que haja o casamento existe um procedimento para habilitação do casal. Nós organizamos para que as certidões ficassem prontas conjuntamente, para que o casamento coletivo pudesse ser possível”, explica Henrique.
Um dos voluntários para realizar a cerimônia, o músico Erivelton Nunes decidiu levar seu talento à festa. “Eu vi a mobilização no Instagram e resolvi vir. Só conheço o menino que está no teclado, mas achei incrível a mobilização e resolvi ajudar. É muito importante essa resistência”, diz.