Casamento coletivo reúne 46 casais LGBT com a ajuda de voluntários no Recife; FOTOS

Cerimônia ocorreu na Zona Oeste do Recife, nesta quarta-feira (19). Voluntários montaram rede de solidariedade para tornar sonhos possíveis.

Noivas e noivos se uniram oficialmente em casamento coletivo LGBT, realizado no Recife. (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
Noivas e noivos se uniram oficialmente em casamento coletivo LGBT, realizado no Recife. (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)
O amor de 46 casais formados por LGBTs levou centenas de pessoas a um casamento coletivo realizado na noite desta quarta-feira (19), no bairro de Afogados, Zona Oeste do Recife. A cerimônia civil foi realizada por um juiz e teve a ajuda de uma rede de voluntários, que se uniu para tornar inesquecível o dia do “sim”.

A cerimônia foi montada inteiramente por voluntários que realizaram um mutirão para fornecer itens como bolo, música e fotografia. A rede de solidariedade se formou após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) e do medo de alguns casais do mesmo sexo de perderem direitos após a posse do presidente eleito e de uma bancada mais conservadora do Congresso.

Júlia e Camila se casaram durante cerimônia coletiva no Recife. (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

Um dos casais que decidiram antecipar a união perante a lei foi a técnica judiciária Júlia Hipólito e a arquiteta Camila Dantas. Elas se conheceram em setembro e aproveitaram a cerimônia conjunta para celebrar o amor que, mesmo recente, já é tão sólido.

Elas celebraram o fato de estar casando na mesma cerimônia que outros dois casais de amigos. Também ressaltaram a importância de poder formar o que chamam de “rede de resistência”.

“Pensávamos em casar em julho, até a ameaça política que assolou o Brasil. Jamais imaginávamos que a cerimônia tomaria uma proporção tão grande, o que dirá com festa e tudo. Foi muito bom saber que, em meio a tanta energia ruim, surgiu uma corrente do bem. Isso aqui é um ato político e eu não me sentiria bem em não participar”, explica Júlia.

Lourdes, de 90 anos, fez questão de ir ao casamento do neto Danilo (à esquerda) com Múcio (à direita), no Recife. (Foto: Pedro Alves/G1)

Dos seis convidados que o gerente Danilo Tomé e o motorista Múcio Buarque levaram ao casamento, a avó Maria de Lourdes, de 90 anos, foi quem mais insistiu em estar presente. Os dois estão juntos desde 2011 e decidiram casar anos antes, mas os percalços da vida provocaram o adiamento.

“Se eu não viesse seria uma desfeita muito grande. Eu adoro Danilo, ele é um menino muito bom, e me sentiria muito triste se não estivesse presente no casamento dele. Agora, ganhei um novo neto”, diz Lourdes.

Ana (à esquerda) e Beatriz (à direita) decidiram garantir o direito de casar ainda em 2018, no Recife. (Foto: Pedro Alves/G1)

“Pensávamos que seria algo para quando a gente tivesse estabilidade, uma casa, estrutura. Mas apareceu a oportunidade e ficamos com medo de, no próximo ano, não podermos mais. Sentimos ameaçadas e vimos que isso não era coisa só nossa. Isso fez a gente se unir muito. Ninguém solta a mão de ninguém”, diz a costureira Beatriz Medeiros, que casou com a estudante Ana Gabriella.

Daniel e Adelmo se casaram no Recife. (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

O receio de Júlia e Camila foi o mesmo que serviu de incentivo para que Adelmo Andrade e Daniel Lima decidissem participar. Eles adiavam a oficialização por problemas financeiros, mas recorreram à Defensoria Pública, como os outros casais, para conseguir isenção das taxas de habilitação para a cerimônia.

“Nós costumamos dizer que não antecipamos o casamento. Era algo que aconteceria em outras circunstâncias, isso é fato, mas, na verdade, só deixamos de adiar. Tivemos um apoio grande dos nossos familiares e amigos. Teve até briga, porque só podíamos trazer seis convidados. O que importa é celebrar nosso amor rodeado de tanta gente boa”, diz Daniel.

Noivas e noivos se uniram oficialmente em casamento coletivo LGBT, realizado no Recife. (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

Os casamentos foram celebrados pelo juiz Clicério Bezerra, da 1ª Vara de Família e Registro Civil da Capital. Foi ele quem celebrou, no Recife, o primeiro casamento de pessoas do mesmo sexo do Norte e Nordeste, além do primeiro registro com dupla paternidade, o primeiro caso de multiparentalidade e um caso de paternidade afetiva de um tio em relação a duas sobrinhas.

Apesar de tantos “primeiros casos”, ele afirma que não é ele quem abre as portas da Justiça para as diversas formas de família.

“A gente, na Justiça, só pega a tela e coloca a moldura. Em 2018 faz sete anos do primeiro casamento homoafetivo que celebrei e ser chamado para oficializar a união dessas dezenas de pessoas, em dias de tanta intolerância, é muito importante. Isso aqui é um exercício de cidadania. Queremos que todos se assumam e possam exercer seu direito de cidadãos que são. Família vai muito além dos laços de sangue e dos vínculos jurídicos. Família é afeto”, explica o juiz.

Os dois Murilos se conheceram em 2014 e casaram durante cerimônia conjunta no Recife. (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

Outro casal que decidiu oficializar a união foi Murilo Araújo e Murilo Carvalho. Assim como fazem com o nome, eles dividem a vida desde 2014. Decidiram casar em 2018 e a cerimônia conjunta facilitou o processo.

“Nem tudo deu certo nos nossos preparativos e resolvemos deixar para o ano que vem. Com a mudança no cenário político, pensamos que poderia não haver a possibilidade no ano que vem. Mas aconteceu da melhor forma. A gente está sempre junto e aqui, por exemplo, não temos familiares, mas apenas amigos. Apesar disso, não “só”, amigos. São muito mais que isso”, disse Murilo Araújo.

Casais LGBT oficializaram união em celebração conjunta no Recife. (Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press)

Mobilização

O casamento coletivo foi montado pelas Mães pela Diversidade e Espaço Acolher. A Defensoria Pública de Pernambuco realizou um mutirão para emitir ofícios que concedem gratuidade do procedimento nos cartórios.

Os defensores públicos Henrique da Fonte e Renata Gambarra foram alguns dos responsáveis pela ação. Segundo Henrique, desde o resultado das eleições, ao menos 100 casais LGBT procuraram a defensoria para pedir a isenção.

“A mobilização veio a partir da demanda da sociedade civil. Para que haja o casamento existe um procedimento para habilitação do casal. Nós organizamos para que as certidões ficassem prontas conjuntamente, para que o casamento coletivo pudesse ser possível”, explica Henrique.

Um dos voluntários para realizar a cerimônia, o músico Erivelton Nunes decidiu levar seu talento à festa. “Eu vi a mobilização no Instagram e resolvi vir. Só conheço o menino que está no teclado, mas achei incrível a mobilização e resolvi ajudar. É muito importante essa resistência”, diz.

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