O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta sexta-feira (8), por maioria de votos, derrubar restrições à doação de sangue por gays, bissexuais masculinos, mulheres trans e homens que fazem sexo com outros homens. Lésbicas, mulheres bissexuais e homens trans já podiam doar sungue.
O julgamento, que terminou às 23h59 desta sexta, foi feito pelo plenário virtual da Corte.
A maioria dos ministros decidiu que normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que limitam a doação de sangue, além de inconstitucionais, são homofóbicas.
Atualmente, bancos de sangue rejeitam a doação de gays, bissexuais masculinos, mulheres trans e homens que fazem sexo com outros homens que tenham feito sexo nos 12 meses anteriores à coleta.
Votaram a favor da possibilidade da doação os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
O advogado Rafael Carneiro, um dos autores da ação, comemorou o resultado. Para ele, o Supremo reafirmou o papel de protetor dos direitos fundamentais das minorias. “Um sopro de solidariedade em tempos de pandemia”, afirmou.
“Essa ação foi fruto de pesquisas e diálogos com vários segmentos da sociedade e especialistas da área médica. Percebemos que a norma se baseava em premissa discriminatória e preconceituosa de que os homossexuais são grupo de risco. Arriscada é a conduta de cada um, não a orientação sexual. Todo sangue é testado por determinação legal, não há risco para a qualidade e segurança do sistema de doação de sangue”, disse o advogado.
Autor da ação, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) apontou “absurdo tratamento discriminatório” por parte do poder público. O partido diz que, na prática, as normas barram “permanentemente” gays, bissexuais masculinos, mulheres trans e homens que fazem sexo com outros homens com “mínima atividade sexual”.
Na última quinta (30), a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu que o STF rejeitasse a ação – ou seja, nem chegasse a analisar o tema.
A Defensoria Pública da União (DPU), em contrapartida, enviou um posicionamento pedindo agilidade no julgamento diante da pandemia de coronavírus, que reduziu o ritmo de doações e resultou na queda dos estoques de sangue no país.
Votos dos ministros
O julgamento começou em 2017, em plenário físico, com o voto do ministro relator, Edson Fachin. Ele afirma que as normas geram uma “discriminação injustificada” e ofendem o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade perante outros doadores. “Orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim.”
Ao apresentar o voto que retomou a análise do caso em ambiente virtual, o ministro Gilmar Mendes afirmou que é “nítida” a discriminação das normas e que há tratamento distinto entre homens que têm relações sexuais com homens e com mulheres.
“Os primeiros são inaptos à doação de sangue, ainda que adotem medidas de precaução, como o uso de preservativos, enquanto os últimos têm uma presunção de habilitação, ainda que adotem comportamentos de risco, como fazer sexo anal sem proteção”, diz o ministro.
Segundo Gilmar Mendes, em meio à epidemia do coronavírus, “a anulação de impedimentos inconstitucionais tem o potencial de salvar vidas, sobretudo numa época em que as doações de sangue caíram e os hospitais enfrentam escassez crítica, à medida que as pessoas ficam em casa e as pulsações são canceladas por causa da pandemia de coronavírus”.
O ministro destacou ainda, lembrando casos recentes, como a criminalização da LGBTfobia, o casamento igualitário e o uso do nome social, que foi preciso que a “Corte interviesse para garantir direitos básicos que qualquer um de nós pode exercer sem óbices”.
“A orientação sexual e afetiva há de ser considerada como o exercício de uma liberdade fundamental, de livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo, a qual deve ser protegida, livre de preconceito ou de qualquer outra forma de discriminação”, afirmou o ministro. “Esta Corte tem um dever de proteção em relação às minorias discriminadas.”
O ministro Alexandre de Moraes divergiu dos colegas, mas também a favor da possibilidade de gays, bissexuais masculinos, mulheres trans e homens que fazem sexo com outros homens doarem sangue antes do fim do prazo de 12 meses.
Ele defendeu a liberação, contanto que o material fique guardado para testes até o momento em que se verificar que não há qualquer risco de contaminação.
Outra divergência foi a do ministro Ricardo Lewandowski, que votou contra o pedido. Para o ministro, as normas não são discriminatórias e cabe às autoridades sanitárias definir a janela imunológica.
Para Lewandowski, cabe ainda ao Supremo, assim como em relação à pandemia do coronavírus, “adotar uma postura autocontida diante de determinações das autoridades sanitárias quando estas forem embasadas em dados técnicos e científicos devidamente demonstrados”.
O voto foi acompanhado pelo decano (ministro mais antigo) do tribunal, ministro Celso de Mello.
O ministro Marco Aurélio Mello também divergiu, mas o voto dele não tinha sido divulgado até a última atualização desta reportagem.