Alteração no texto faz projeto que censura LGBTs em propagandas voltar à estaca zero na Alesp

PL 504 de 2020 foi retirada da pauta depois que a deputada Erica Malunguinho (PSOL) propôs que seja vedada a publicidade de materiais com alusão a drogas, sexo e violências explícitas, e não a presença de LGBTs.

Foto de arquivo mostra deputados estaduais em discussão no plenário da Alesp. (Foto: Divulgação/Alesp)
Foto de arquivo mostra deputados estaduais em discussão no plenário da Alesp. (Foto: Divulgação/Alesp)

A Assembleia Legislativa de São Paulo tirou da pauta nesta quarta-feira (28) a votação do projeto que pretende censurar a veiculação de propagandas no estado com a presença de pessoas LGBTQIA+.

A deputada LGBTfóbica Marta Costa (PSD), autora do PL 504, argumenta que os materiais podem atuar como “má influência” e “incentivo a prática inadequada”. A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo emitiu um parecer em que explica tecnicamente a ilegalidade da proposta. Leia mais abaixo.

A parlamentar Erica Malunguinho (PSOL) abriu a sessão desta quarta apresentando a proposta de uma emenda ao texto, para que seja vedada a publicidade de materiais que façam alusão a drogas, sexo e violências explícitas, e não a presença de pessoas LGBTQIA+.

“Associar pessoas LGBTIs a essas características, pela sua condição, por simplesmente serem quem são, é, além de desumanizador, cruel – afinal, a afeição a ‘práticas danosas’, ou a exercício de ‘influência inadequada’, pode ser feita por qualquer pessoa e não se condiciona ao fato de alguém pertencer a determinada condição da diversidade sexual e de gênero”, pontuou a deputada Erica Malunguinho.

Os deputados apoiaram a sugestão de alterar completamente o teor da proposta, com 26 assinaturas – eram necessárias 25. Com a aprovação da emenda de Erica, o PL 504 vai retornar para as Comissões Constituição e Justiça, e de Direitos Humanos.

O projeto de Marta Costa havia sido aprovado nessas comissões, conduzidas pelos votos favoráveis dos relatores Carlos Cezar (PSB) e Gilmaci Santos (Republicanos).

O PL 504 tramita desde agosto de 2020 e gerou forte reação do movimento LGBTQIA+, publicitários, marcas, juristas e evangélicos, após entrar na pauta da Casa nas últimas semanas.

A votação estava inicialmente prevista para ocorrer na semana passada, mas foi adiada duas vezes, primeiro por falta de quórum, depois por falta de tempo. Uma reunião do Colégio de Líderes das bancadas dos partidos remarcou a data de votação para esta quarta.

Erica Malunguinho é a primeira transexual eleita deputada estadual em São Paulo. (Foto: Reprodução/Facebook)

Proposta inconstitucional

O projeto de lei 504 de 2020 é de autoria da deputada Marta Costa, que está no segundo mandato como deputada estadual e foi candidata a vice-prefeita na chapa de Andrea Matarazzo.

No texto ela alega o desejo de acabar com propagandas que geram “desconforto emocional a inúmeras famílias, além de estabelecer prática não adequada a crianças”.

“A intenção é limitar a veiculação da publicidade que incentive o consumidor do nosso Estado a práticas danosas”, diz ela.

A deputada Janaína Paschoal (PSL) acrescentou uma emenda ao texto, alterando a expressão “preferências sexuais” por “gênero e orientação sexual”.

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo redigiu uma nota técnica em que explica a ilegalidade da proposta, na medida em que pretende interferir na regulamentação da propaganda, que é de competência da União, ao mesmo tempo em que viola os direitos humanos.

“Não obstante a Constituição Federal garanta a competência dos estados para restringir o alcance da publicidade dirigida a crianças e adolescentes, frise-se que a presente proposta de projeto de lei não se presta a garantir a proteção da infância como figura de sua justificativa, mas ao contrário, viola direitos infanto-juvenis”, escreveu.

“Claro, pois, que a alusão a crianças e adolescentes configura mera retórica apelativa e discursiva pois, em verdade, o que pretende a legisladora é a inibição da representatividade da comunidade LGBTQIA+, de forma a impedir a veiculação de imagens e normalização de forma de vida diversas da heteronormatividade, as quais se pretende, segundo a legisladora, que permaneçam no imaginário coletivo como algo nocivo e que precisa ser invisibilizado”, continuou o procurador de Justiça Mário Sarrubbo.

Marta Costa integra a Assembleia de Deus, é coordenadora do departamento infantil do Ministério do Belém, e filha do pastor José Wellington Bezerra da Costa, presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil.

No Brasil, a ética publicitária já é fiscalizada em nível federal desde 1980 pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que tem a missão de impedir a publicidade enganosa ou abusiva, que cause constrangimento ao consumidor ou a empresas, ao mesmo tempo em que defende a liberdade de expressão comercial.

Bandeira do movimento Trans na Parada do Orgulho LGBT de SP de 2016. (Foto: Diego Padgurschi)

Reação pela diversidade

Diversas associações reagiram e encaminharam ofícios à Alesp contra a proposta na tentativa de impedir que fosse aprovado em plenário.

“Aqueles que deveriam se preocupar em ajudar a população neste momento tão difícil de pandemia, estão preocupados em proibir algo sobre o qual sequer têm autonomia. Acho que deveriam se preocupar em elaborar um PL para proteger as crianças que são maltratadas e mortas, mas ao invés de lacrar no segmento fundamentalista religioso. Infelizmente, no Brasil, quem quer aparecer fala mal da comunidade LGBT”, disse Agripino Magalhães, ativista da Aliança Nacional LGBTI.

A Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), enviou um longo parecer técnico para que os deputados conheçam a inconstitucionalidade da proposta em diversos níveis, pois, além de sugerir censura, pretende legislar sobre a propaganda comercial, que é de competência da União.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) encaminhou uma nota de repúdio em que expressa a percepção de que a aprovação do projeto, uma “aberração jurídica”, configuraria a institucionalização da LGBTfobia.

O coletivo Evangélicas Pela Igualdade de Gênero (EIG) entendeu o PL como uma proposta “escrita com discurso de ódio”: “É desumano em muitos termos, pois além de criminalizar pessoas LGBTQIA+ por serem quem são, ainda propõe que elas são ameaça às crianças, esquecendo que elas têm filhos, sobrinhos, são profissionais da saúde, da educação e tantas outras profissões que tratam diretamente da infância”.

No ofício da ONG Mães pela Diversidade, elas afirmam que o “nefasto e cruel PL 504/2020, que associa pessoas LGBTs a ‘práticas danosas’ e ‘influências inadequadas’, desumaniza nossos filhos e vai contra tudo aquilo que lutamos”, na medida em que desconsidera a existência de crianças e adolescentes com estas orientações sexuais.

O PL ganhou forte repercussão negativa nas redes sociais devido ao repúdio das maiores agências de publicidade do país e seus clientes, grandes empresas, que lançaram as hashtags #AbaixoPL504, #LGBTNãoÉMáInfluência e #RespeitaHumanidadeLGBT.

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