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‘Barbie’ desperta transfobia de conservadores contra atriz trans Hari Nef

Filme é acusado por políticos de extrema direita de subverter valores cristãos e promover a cultura LGBTQIA+.

Hari Nef chegando para a estreia mundial de "Barbie" no Shrine Auditorium em Los Angeles. (Foto: Michael Tran / AFP)
Hari Nef chegando para a estreia mundial de “Barbie” no Shrine Auditorium em Los Angeles. (Foto: Michael Tran / AFP)

Círculos conservadores se reuniram em torno de um novo inimigo público: a Barbie. Ideologia e religião têm motivado pedidos de boicote ao lançamento cinematográfico mais comentado do ano, o filme de Greta Gerwig sobre a linha de boneca.

A saga protagonizada por Margot Robbie é acusada de subverter valores cristãos, promover cultura LGBTQIA+, fazer propaganda subliminar para a China e, de quebra, ser uma das artimanhas mais bem-sucedidas do marxismo cultural nos últimos anos. A teoria conspiratória sustenta que a esquerda se infiltrou nas artes, na imprensa e em outras instituições para destruir a civilização ocidental por dentro.

A grita ultraconservadora também contaminou o Brasil. Ex-ministro da Educação de Jair Bolsonaro (PL), Abraham Weintraub equiparou a obra ao nazismo em tuíte postado na quinta (20), o dia da estreia.

Escreveu acima de uma foto do nazista Klaus Barbie, criminoso de guerra conhecido como o “carniceiro de Lyon”: “Não é a primeira vez que o nome Barbie está a serviço do demônio! Protejam seus filhos de qualquer linha ideológica de Barbie! Da antiga ou da atual!”.

Sites voltados a evangélicos também entraram em polvorosa. Eis um artigo publicado no Gospel Mais: “Especialistas cristãos em cinema alertam: ‘Não levem seus filhos para assistir ‘Barbie’”. Segundo o texto, “muitos pais acreditam tratar-se de um filme infantil, mas irão deparar-se com muito conteúdo adulto, incluindo temas LGBT”.

Tanto nos EUA quanto no Brasil, o filme nunca foi dirigido a crianças —a classificação indicativa é de 12 anos aqui e 13 anos lá.

O Gospel Mais também cita o Movieguide, site comandado pelo crítico Ted Baehr, presidente da americana Comissão Cristã de Filme e TV. “O filme esquece seu público principal de famílias e crianças enquanto atende a adultos nostálgicos e promove histórias de personagens lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros”.

A escalação de Hari Nef, uma atriz trans que interpreta a Barbie Médica, absorve boa parte dessa fúria. Charlie Kirk, ativista da extrema direita dos EUA, definiu o trailer do filme como “a coisa mais nojenta” que ele já viu.

Deputada estadual em Minas, a bolsonarista Alê Portela (PL) pediu aos pais que não levem os filhos para ver “Barbie”. Segundo ela, o título a princípio pode enganar. “Podemos pensar que um filme baseado nessa personagem seria voltado para o público infantil e familiar, destacando a feminilidade”, escreveu em uma rede social. Mas, para a parlamentar, não foi isso que aconteceu. A presença de Nef no elenco é um dos incômodos que ela manifesta, junto com a presença de temas como álcool e assédio.

Apesar da classificação de 12 anos, que a princípio deveria barrar as netas no cinema, o pastor Pedrão, líder da Comunidade Batista do Rio e responsável por celebrar o casamento do deputado Eduardo Bolsonaro (PL), critica a participação da intérprete trans, “uma informação passada para crianças que ainda nem entendem a sua própria sexualidade”.

“A (famigerada) pauta de costumes é a ponta de lança do projeto autoritário e fundamentalista da extrema direita transnacional”, afirma João Cezar de Castro Rocha, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e estudioso das guerras culturais. “É a cartilha, o manual de procedimentos. Por quê? Porque ela incide no que há de mais imediato e importante no cotidiano das pessoas: educação das crianças, sexualidade, formas de convívio.”

A extrema direita, segundo Rocha, ganha adeptos se consegue gerar “medo”. “E, para haver medo, é preciso que haja um agente que ‘ameace’ aqueles fatores. Aqui vale tudo: Hollywood, Netflix e a indústria cultural ‘esquerdista’, professores doutrinadores, identitarismo progressista, etc. O que importa é criar inimigos imaginários para produzir o ódio que estrutura a extrema direita.”

À agenda moral soma-se a tese de que, com a produção, Hollywood faz propaganda cifrada à China. Tudo por conta de uma cena que traz o mapa de uma região que a superpotência clama para si, não sem detonar conflitos territoriais com vizinhos. Chamada de Linha das Nove Raias, a demarcação no mar da China Meridional é alvo de disputa entre países como Vietnã –que decidiu vetar a estreia comercial do longa.

A senadora americana Marsha Blackburn apontou uma agenda oculta na trama sobre a boneca fã de cor-de-rosa. Colega de partido do ex-presidente Donald Trump, ela acusou a “Hollywood esquerdista” de se “dobrar a Pequim para faturar uma grana rápida”.

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