Modernização do Código Civil legitima união homoafetiva
A união entre pessoas do mesmo sexo se tornou possível no Brasil a partir de decisão do plenário do STF, em 2011
O casamento entre pessoas do mesmo sexo já é uma realidade no Brasil. Reconhecida como constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a união homoafetiva pode se tornar também oficial na letra da lei. Elaborado por uma comissão de juristas, presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o anteprojeto do Código Civil prevê mudanças no tratamento das relações conjugais.
O texto, tornado projeto de lei pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prestigia todos os tipos de união, sem distinção, de forma igualitária. O artigo 1.514 estabelece: “O casamento se realiza quando duas pessoas livres e desimpedidas manifestam perante o celebrante a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o celebrante os declara casados”. E o parágrafo único completa: “Pelo casamento, os nubentes assumem mutuamente a condição de consortes e responsáveis pelos encargos da família”. No Código Civil em vigor, de 10 de janeiro de 2002, o casamento e a união estável são realizados entre um homem e uma mulher.
A união entre pessoas do mesmo sexo se tornou possível no Brasil a partir de decisão do plenário do STF, em 2011. De forma unânime, o Supremo equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como entidade familiar. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.
Até então, casais do mesmo sexo que buscavam a formalização de suas relações viviam uma loteria. Era uma questão de sorte encontrar uma decisão favorável da Justiça. Muitos não conseguiam. O entendimento do STF, de natureza vinculante, impediu interpretações do dispositivo do Código Civil que negassem a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 175/2013, sob a presidência do ministro Joaquim Barbosa. Foi um marco, ao proibir que cartórios se recusassem a emitir certidões de uniões homoafetivas. “É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo”, estabelece a Resolução.
Em decisão pioneira, relatada pelo ministro Luis Felipe Salomão, o STJ admitiu a conversão da união em casamento. “Nessa linha, sem ingressar em debates ideológicos, primando pela absoluta cientificidade, a subcomissão, respeitando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, baniu, nas normas disciplinadoras do casamento e da união estável, referências a ‘homem e mulher’ ou ‘marido e mulher’, optando, precisa e objetivamente, pela expressão ‘duas pessoas’, o que contempla, em perspectiva constitucional e isonômica, todo e qualquer casal, seja heteroafetivo ou não”, explica o juiz e professor Pablo Stolze, que integrou a comissão de juristas responsável pela elaboração pela revisão e atualização do Código Civil.
Segundo Stolze, todos os direitos já estão garantidos, mas a comissão pretendeu com a mudança dar “segurança” para os casais. Para o promotor de Justiça Antônio Suxberger, especialista em direito civil e constitucional, a mudança no Código Civil terá impacto positivo. “É um avanço. Fortalece a institucionalidade. Ainda há muita resistência e a lei vem em boa hora. A pauta da união homoafetiva é um desses exemplos em que a agenda institucional atropelou a inércia do legislador”, afirma.
Um exemplo de resistência acabou virando punição. No ano passado, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) acatou uma solicitação do senador Fabiano Contarato (PT-ES) e proibiu que membros do Ministério Público se manifestem de forma contrária à adoção de crianças e adolescentes com base na orientação sexual dos adotantes.
Durante o processo de adoção do filho Gabriel, o senador teve um pedido ao Ministério Público negado pela dupla paternidade. “Foi muito doloroso ler um posicionamento do MP contrário à adoção”, disse o parlamentar na época. A mudança no Código Civil, avalia Contarato, torna qualquer reconhecimento de família inquestionável. “A importância se dá em reconhecer o casamento em lei”, afirma o senador. Ele acredita que esse trecho do projeto não sofrerá bombardeios mesmo em um Senado de maioria conservadora. “Esse tema específico, acredito, não vai impedir a aprovação”, aposta.
Suxberger avalia que a previsão legal vai além do casamento e pode influenciar as relações contratuais de várias naturezas. “Muda na lei o conceito de família que pode ser formada por dois homens ou duas mulheres ou um homem e uma mulher”, explica. Influencia o direito sucessório, direito previdenciário e até a concessão de benefícios que levam em conta a unidade familiar, acredita.