Livro sobre paixão gay, proibido por Putin, que motivou lei anti-LGBTQIA+ na Rússia chega ao Brasil
Obra russa virou fenômeno editorial e levou autoras ao exílio após repressão e ameaças de morte.
O romance Verão de Lenço Vermelho, escrito pela russa Elena Malíssova e pela ucraniana Katerina Silvánova, chega ao Brasil com uma história marcada por controvérsias e perseguições. Publicado originalmente em 2016, o livro se tornou um fenômeno na Rússia, vendendo mais de 200 mil cópias em apenas seis meses. Entretanto, sua abordagem sensível sobre um romance gay foi suficiente para atrair a fúria do regime de Vladimir Putin e de grupos conservadores, resultando na proibição da obra e na aprovação de uma lei anti-LGBTQIA+ em 2022.
Escrito inicialmente em plataformas on-line, o livro acompanha a história de amor entre dois jovens soviéticos, Volódia e Iura, em um acampamento de verão. Ambientado nos anos 1980, o romance aborda a descoberta da sexualidade em um contexto de repressão e vigilância. O enredo, descrito como “singelo e inocente” pelas autoras, desafiou o estigma contra a comunidade queer na Rússia, mas também gerou uma campanha de ódio que culminou na aprovação de uma lei que proíbe qualquer menção a temas LGBTQIA+ em publicações no país.
Repressão e exílio
O sucesso do livro provocou reações intensas. Grupos conservadores acusaram a obra de promover “propaganda gay”, e figuras como o cineasta Nikita Mikhalkov, próximo de Putin, reforçaram as críticas ao livro com teorias conspiratórias. As autoras enfrentaram ameaças de morte e precisaram deixar a Rússia: Elena Malíssova se exilou na Alemanha, enquanto Katerina Silvánova retornou à Ucrânia, mesmo em meio à guerra.
“O escândalo nos obrigou a reorganizar nossas vidas: deixar amigos, amores e recomeçar do zero em outro lugar”, declarou Elena em entrevista.
Segundo Katerina, a perseguição ilustra a necessidade política de regimes autoritários como o de Putin de demonizar a comunidade LGBTQIA+. “Para uma ditadura, é essencial criar inimigos externos e internos. Enquanto a Ucrânia e os ‘agentes estrangeiros’ são o foco externo, a comunidade LGBTQIA+ se tornou o alvo interno do ódio.”
Impacto cultural e resistência
Embora banido, Verão de Lenço Vermelho segue sendo amplamente compartilhado na internet, especialmente em plataformas de fanfiction, onde o controle estatal é menor. Para as autoras, essa circulação alternativa destaca o poder da literatura como ferramenta de resistência.
“O mundo virtual se tornou um refúgio para a comunidade queer na Rússia, um espaço onde é possível se expressar e encontrar representatividade,” afirmou Elena.
A obra também gerou reflexões sobre a nostalgia da União Soviética entre gerações mais velhas e o impacto do passado em uma Rússia moderna marcada pela repressão. Para as autoras, seu romance oferece um olhar crítico sobre o período, ao mesmo tempo em que desperta empatia em leitores mais jovens.
Parceria além da guerra
Apesar da invasão russa à Ucrânia em 2022, Elena e Katerina mantêm uma parceria sólida e unificada contra a guerra. “Escolhemos valorizar a vida humana, a liberdade e a amizade. Estamos do mesmo lado, independentemente de nacionalidades,” concluíram as autoras.
No Brasil, Verão de Lenço Vermelho promete alcançar novos públicos e reforçar debates sobre liberdade, resistência e representatividade em tempos de censura e perseguição.