Rio de Janeiro

Conselho Regional de Psicologia do RJ será presidido por uma travesti

Céu Cavalcanti será a primeira pessoa não cisgênero eleita a comandar um conselho profissional no país, afirma associação trans.

Travesti é a primeira pessoa não cisgênero a comandar conselho profissional no Brasil. (Foto: Reprodução/Instagram)
Travesti é a primeira pessoa não cisgênero a comandar conselho profissional no Brasil. (Foto: Reprodução/Instagram)

A pernambucana Céu Cavalcanti, 32, no último dia 27, participou de um momento histórico. Travesti, ela se tornou a primeira pessoa não cisgênero –ou seja, que não se identifica com o gênero designado ao nascer– eleita para comandar um conselho profissional no país, o Conselho Regional de Psicologia do Estado do Rio de Janeiro. A informação é da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

“Eu sei o quanto isso significa para todas as pessoas trans e travestis desse país. Gradualmente, estou dando conta da dimensão histórica disso. Mas tenho que dizer que o mais importante é a dimensão coletiva que toma forma nesse lugar. Acabo desde esse lugar emprestando rosto a sonhos, desejos e construções absolutamente coletivas”, disse ela, eleita em chapa única.

Até maio de 2019, disforias de gênero —termo dado ao sentimento de que o sexo anatômico da pessoa não corresponde a sua identidade— eram consideradas transtornos mentais pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Naquele ano, ao revogar oficialmente a classificação, a OMS afirmou que era hora de reconhecer a diversidade humana e determinou que todos os seus países membros deveriam seguir a recomendação até janeiro deste ano.

O Brasil não esperou. Ainda em 2018, o Conselho Federal de Psicologia já havia publicado uma resolução na qual recomendava aos psicólogos que não tratassem travestilidades e transexualidades como patologias. O texto apontava ainda a importância do combate à transfobia e afirmava que as identidades de gênero devem ser autodeclaratórias.

Nascida no interior de Pernambuco, Cavalcanti fez psicologia pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e se mudou para o Rio em 2018 para estudar —ela é atualmente doutoranda em psicologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). No ano seguinte, ela foi eleita para o conselho regional.

“As eleições para o conselho do Rio sempre foram muito concorridas. Em 2019, tínhamos o acréscimo da situação política do país. Mas um grande movimento de articulação entre diferentes grupos da psicologia conseguiu assegurar o espaço democrático e alinhado às perspectivas de direitos humanos”, diz ela.

À época, Pedro Paulo Bicalho, professor da UFRJ e orientador de Cavalcanit, foi eleito presidente do conselho fluminense. Ela agora vai substitui-lo no cargo, enquanto ele irá assumir o comando do Conselho Federal de Psicologia.

Além do conselho regional, a psicóloga também é integrante da diretoria nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social, do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos da Trans-homocultura e da Articulação Nacional de Psicólogues Trans.

Muito animada, a presidente eleita diz estar, aos poucos, entendendo a importância do feito.

Cavalcanti também destaca os seus predecessores, como o psicólogo João Nery, primeiro homem trans a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, em 1977. Ele foi impedido de atuar na psicologia por ser um homem trans.

“É imenso me pensar presidindo o local onde décadas atrás João Nery precisou optar por ser quem ele era ou sua vida profissional”, diz Cavalcanti.

Ela diz pretender fazer um mandato humanizado, pois considera a psicologia uma profissão de bem-estar. “É importante pensar na saúde como elemento intersetorial que se fortalece com a defesa e ampliação das diferentes políticas públicas. E a psicologia tem contribuído muito nesse campo”, afirma.

Durante os três anos de mandato, pretende continuar lecionando, o que sempre fora seu maior desejo e agora grande orgulho.

“É um desejo antigo poder estar nesse lugar de docente e, sem dúvidas, o fato de poder me saber professora fala também de um conjunto de alianças e mudanças culturais que passam a entender que alguém como eu pode ser par e professora em uma universidade. Essa é uma mudança significativa que a nossa geração de pessoas trans começa a viver”, diz.

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