Vaticano aprova bênção a casais do mesmo sexo, mas mantém veto a casamentos
Documento chancelado pelo papa Francisco tende a abrir nova rusga com ala mais conservadora da Igreja Católica.
Em decisão histórica, o Vaticano autorizou nesta segunda-feira (18) a bênção a casais de pessoas do mesmo sexo e àqueles considerados, pela ótica da igreja, “em situação irregular”. A instituição, porém, não alterou seu veto ao casamento.
O documento aprovado pelo papa Francisco, que recém-completou 87 anos, destaca que o ato em nada deve se assemelhar ao matrimônio. “Essa bênção nunca será realizada ao mesmo tempo que os ritos civis de união, nem em conexão com eles. Nem mesmo com as vestimentas, gestos ou palavras próprias de um casamento”, diz um trecho.
E acrescenta que existe “a possibilidade de bênçãos para casais em situações irregulares e casais do mesmo sexo, cuja forma não deve encontrar nenhuma fixação ritual por parte das autoridades, para não produzir confusão com a bênção do sacramento do matrimônio”.
A marca do pontífice argentino está sinalizada no corpo do texto do Dicastério para a Doutrina da Fé. Nele, o prefeito do dicastério, o cardeal Víctor Manuel Fernández, também argentino, afirma que a declaração visa permitir “uma ampliação e um enriquecimento” da compreensão clássica que se tem da bênção por meio de uma reflexão teológica “baseada na visão pastoral do papa Francisco”.
Lá fora
Trata-se da primeira vez que a igreja abre caminho para a bênção a casais do mesmo sexo, um tema que gera tensão interna devido à forte oposição da ala conservadora, especialmente a baseada nos Estados Unidos, já muito crítica a Francisco.
Ao considerar a concessão de bênçãos aos que não vivem segundo as normas da doutrina moral cristã, o documento sinaliza que as bênçãos devem ser entendidas como atos de devoção e que quem a solicita “não deve ser obrigado a ter perfeição moral prévia” para recebê-la.
Apesar de a união de casais do mesmo sexo não ser reconhecida pela Santa Sé, alguns padres já os abençoavam, principalmente em países como Bélgica e na Alemanha.
A declaração desta segunda-feira ocorre seis semanas após a conclusão do Sínodo dos Bispos, uma reunião episcopal de especialistas que serve de mecanismo de consulta do papa e que tem como escopo o futuro da igreja. Também participaram desta edição mulheres e leigos que, entre outros temas, debateram como se aproximar de grupos marginalizados pela igreja, como divorciados em segundo casamento e pessoas LGBTQIA+.
Entenda o sínodo
Em outubro, cinco cardeais conservadores pediram ao papa que reafirmasse a doutrina católica tradicional sobre casais do mesmo sexo, mas o documento final do Sínodo deixou de lado essa questão.
Na ocasião, o Vaticano divulgou a resposta de Francisco, que se limitava a dizer que as bênçãos nestes casos eram “uma possibilidade”. Antes, em 2021, uma outra decisão da instituição se opôs de maneira enfática ao ato no caso de uniões entre pessoas do mesmo sexo sob o argumento de que “não se pode abençoar o pecado”.
Também naquele ano, o Vaticano reiterou a opinião de que a homossexualidade é um “pecado” e de que casais do mesmo sexo não podem receber o sacramento do matrimônio. À época, fiéis manifestaram frustração pela expectativa de que, sob Francisco, a instituição se tornasse mais inclusiva.
Desde sua eleição em 2013, o argentino, primeiro papa latino-americano da história e que insiste na importância de uma igreja “aberta a todos”, tem despertado críticas dos conservadores, especialmente ao limitar o uso da missa em latim em 2021.
Ele também foi alvo da ala mais conservadora quando defendeu que o atual presidente dos EUA, Joe Biden, seguisse recebendo a comunhão a despeito de sua defesa pública pelo direito ao aborto.
Mais recentemente, no final de outubro, a igreja abriu as portas do batismo para as pessoas trans. Respondendo a questões enviadas pelo bispo italiano José Negri, que lidera a diocese brasileira de Santo Amaro, o Dicastério para a Doutrina da Fé afirmou que pessoas transexuais, mesmo as submetidas a hormonização e as que passaram por procedimentos de redesignação sexual, podem ser batizadas.
A mesma resposta dizia que filhos de casais de pessoas do mesmo sexo, mesmo aqueles gerados por barriga solidária, também podem ser batizados — “desde que sejam educados na fé católica dali em diante”. Além disso, a resposta de três páginas a seis perguntas enviadas pelo bispo afirmava que pessoas trans podem ser padrinhos e madrinhas de um batizado, bem como testemunhas de um casamento.
Um dos primeiros a comentar a atualização das regras para as bênçãos foi o padre jesuíta americano James Martin —neste caso, para elogiá-la. “É um grande passo em frente que reconhece o profundo desejo de muitos casais católicos do mesmo sexo pela presença de Deus nas suas relações amorosas”, escreveu no X, o antigo Twitter.
Autor de “Building a Bridge” (construindo uma ponte), o padre Martin foi nomeado em 2017 por Francisco como consultor da Santa Sé e é um dos principais nomes que atuam no diálogo com a comunidade LGBTQIA+. “Juntamente com muitos sacerdotes, estarei feliz por, a partir de agora, abençoar aqueles em uniões do mesmo sexo”, concluiu.