Saúde

Reprodução assistida: o caminho da barriga solidária para casais do mesmo sexo no Brasil

Avanços nas regras do CFM e a proibição do comércio de úteros tornam o procedimento mais acessível no país, mas casais ainda enfrentam preconceito.

Reprodução assistida é opção para casais do mesmo sexo que sonham em ter filhos. (Foto: Reprodução)
Reprodução assistida é opção para casais do mesmo sexo que sonham em ter filhos. (Foto: Reprodução)

Para casais do mesmo sexo que sonham em ter filhos biológicos, a reprodução assistida através da “barriga solidária” tem se tornado uma realidade cada vez mais presente no Brasil. A jornada, que envolve avanços médicos e jurídicos, também é marcada por desafios culturais e preconceito, exigindo que as famílias redefinam padrões tradicionais.

Este foi o caminho escolhido por Robert Garcia, 34, e Gustavo Rezende, 33. Juntos desde 2011, eles realizaram o sonho de ter filhos com a mistura genética de ambos: usaram o sêmen de Robert e os óvulos doados pela irmã de Gustavo. Uma prima de Gustavo se ofereceu para ser a “barriga solidária” e gestar os gêmeos do casal.

Quando Robert e Gustavo iniciaram o relacionamento, o cenário era outro. O casamento civil, a adoção e a reprodução assistida para casais do mesmo sexo ainda não eram permitidos. No entanto, com as conquistas da comunidade LGBTQIA+, como a permissão do casamento (2011) e da reprodução assistida (2013), o sonho se tornou viável.

Como funciona a barriga solidária no Brasil

No Brasil, não existe uma lei específica sobre o tema, sendo as regras definidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A principal diferença em relação a outros países, como os Estados Unidos, é a proibição de pagamento. “Aqui se chama de barriga solidária, e não de aluguel, por ser considerado um ato altruísta, proibido de ser cobrado de alguma forma”, explica Washington Fonseca, especialista em direito médico.

Essa proibição torna o procedimento mais acessível financeiramente no Brasil. Nos EUA, além dos custos médicos serem mais elevados, a gestante pode cobrar pelo empréstimo do útero.

A última resolução do CFM, de 2022, estabelece critérios claros:

  • Proibição de Comércio: A cessão do útero (barriga solidária) não pode ter caráter lucrativo ou comercial.
  • Parentesco: A doadora deve ter um parentesco de até quarto grau com o casal.
  • Idade: A idade máxima da doadora é de 37 anos.
  • Exceções: Caso o casal não tenha uma parente que se enquadre, é necessário pedir uma autorização especial ao CFM.

Apesar de ser um acordo entre particulares, o advogado Washington Fonseca ressalta a importância da documentação. “É fundamental que as partes celebrem um contrato para fazer a prova de que foi pactuado, caso a gestante venha a não querer entregar a criança após o nascimento”, afirma.

Preconceito e a “segunda saída do armário”

Reprodução assistida é opção para casais do mesmo sexo que sonham em ter filhos. (Foto: Reprodução)
Reprodução assistida é opção para casais do mesmo sexo que sonham em ter filhos. (Foto: Reprodução)

Embora o processo de Robert e Gustavo tenha sido rápido – “em poucos dias tínhamos um positivo para a gravidez”, lembra Robert –, a jornada da paternidade expôs o preconceito que ainda existe, inclusive dentro da própria comunidade LGBTQIA+.

Gustavo descreve que, ao contar sobre o plano de ter filhos, sentiu como se fosse uma “segunda saída do armário”. O casal também enfrentou o despreparo de instituições para lidar com sua formação familiar. Em exames médicos no início da gestação, por exemplo, apenas um dos pais era autorizado a entrar com a gestante. Após buscarem as ouvidorias, eles conseguiram mudar essa regra.

O psicólogo Matheus Wada Santos, especialista em gênero e sexualidade, explica que a formação de novas famílias força uma ressignificação da tradição. “Desconstruir esse padrão de família é um movimento de contracultura”, afirma. “A psicologia sabe que o pai é quem ensina a noção de mundo […] O modelo de dois pais, assim como duas mães, é muito válido.”

Para Gustavo e Robert, o resultado desse processo foi a chegada dos gêmeos Marc e Maya, hoje com três anos. Eles fizeram questão de acompanhar toda a gestação e de realizar o contato pele a pele com os bebês na primeira hora de vida, fortalecendo o vínculo afetivo.

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